Feiras esotéricas e redes alternativas: algumas notas comparativas dos circuitos carioca e parisiense*

Fátima Regina Gomes Tavares

Foi numa estadia em Paris entre os anos de 96 e 97 que pude observar o "estilo" parisiense de movimentação dos adeptos do "circuito alternativo"[1]. Nessa época, eu me encontrava por demais envolvida com a redação de minha tese de doutorado, cujo objeto enfocava os profissionais que trabalhavam com as práticas terapêuticas alternativas no Rio de Janeiro. Naquele momento, não havia nenhuma intenção de minha parte em tentar estabelecer uma reflexão comparativa entre esses dois circuitos, a fim de compreender melhor a especificidade dos terapeutas cariocas. É certo que as diferenças observadas me auxiliaram, de alguma forma, a delinear o meu objeto de pesquisa, muito embora elas não tenham sido explicitadas ao longo da minha tese. Reservei para um momento posterior meu interesse em apresentar algumas observações pontuais, sendo isso o que pretendo fazer aqui neste trabalho.

Mesmo para quem só conhece Paris de passagem, rapidamente se dá conta do caráter descentralizado da cidade em seus mais diferentes níveis: turístico, histórico-cultural, etc. O circuito de técnicas, vivências e práticas alternativas também segue essa tendência de descentralização espacial, principalmente se compararmos ao Rio de Janeiro, onde a concentração de espaços alternativos localiza-se na zona sul (principalmente em Copacabana) e na Tijuca. Restaurantes naturais, clínicas e espaços esotéricos e terapêuticos, mini-feiras esotéricas de periodicidade regular, enfim, esses pontos de encontro de adeptos parecem distribuir-se de forma bastante singular em cada uma dessas cidades. Mesmo considerando-se o fato de ser uma estrangeira em Paris, o que ocasionou uma certa dificuldade inicial em localizar esses pontos, ainda assim, a impressão de que se tratava de um circuito segmentado, permaneceu.

A minha reflexão acerca da especificidade de cada um dos circuitos a serem analisados não se encontra norteada pela apresentação de um conjunto de dados que guarde entre si uma relação de equivalência. Em função da própria localização espacial do objeto da minha tese (a cidade do Rio de Janeiro), disponho de um material empírico muito mais abrangente e organizado do circuito carioca de práticas alternativas. Embora o material de que disponho sobre o circuito parisiense seja fruto de um trabalho de campo menos sistemático do que o realizado no Rio, acredito ser possível sugerir algumas pistas interpretativas para a compreensão da dinâmica desses dois circuitos. Abordarei, inicialmente, algumas características do circuito carioca, tendo como eixo central a configuração e diferenciação dos espaços alternativos existentes na cidade seguido de uma exposição do perfil dos principais jornais alternativos dessa área. Com relação ao circuito parisiense, apresento a etnografia de uma das muitas "feiras alternativas" existentes na cidade, passando, ao final, à exposição de algumas características que pude detectar na imprensa alternativa daquela cidade.

Os espaços alternativos do circuito carioca

Elegi a perspectiva de analisar a dinâmica do circuito alternativo carioca a partir, principalmente, dos espaços alternativos, por constatar que eles refletem - ao mesmo tempo em que são propulsores - as transformações ocorridas nos últimos anos, significando, por assim dizer, sua expressão mais acabada. Como conseqüência, poder-se-ia afirmar que o processo de aquisição de visibilidade, a busca de legitimidade, a dinâmica acelerada de reconfiguração de seu perfil e a movimentação dos profissionais entre os espaços alternativos encontram-se diretamente relacionados com as diferentes concepções de legitimidade que concorrem no âmbito da rede. 

Nesse sentido, o "espaço alternativo" constitui um locus privilegiado de observação da heterogeneidade da rede. Por um lado, através dos cursos e consultas alí realizados, e mais especificamente na relação terapeuta - paciente; por outro, na relação dos profissionais intra-espaço e com os demais espaços. A intensidade com que surgiram os espaços alternativos durante a década de 80 é bem menos intensa do que a observada na década de 90, alterando em grande medida o perfil desses espaços. Pode-se dizer que os espaços alternativos que surgiram ao longo dos anos 80 possuíam um perfil mais acentuadamente "esotérico", com uma predominância de atividades não estritamente terapêuticas, como é o caso dos oráculos (tarot, runas, etc) em geral.

No circuito carioca, a importância crescente que a questão terapêutica vem ocupando ao longo dos anos 90 está intrinsecamente ligada à dinâmica de surgimento e estruturação desses espaços, onde observa-se diferentes momentos em sua configuração. Os primeiros espaços alternativos datam da década de 70, configurando experiências isoladas, pontuais e diferentes entre si. Em contraste com um público flutuante, o quadro dos profissionais envolvidos em cada uma dessas experiências tendia a ser estável e afinado aos princípios mais gerais que compunham o perfil desses espaços.

Durante a década de 80 - em especial na segunda metade -, os espaços alternativos começaram a surgir em maior número e, principalmente, ganharam uma maior visibilidade, no bojo de um movimento de "abertura" das práticas alternativas a um público mais diversificado. O perfil adotado pelos espaços que surgiram nessa época continuava acentuadamente "esotérico", mas era mais "aberto" ao público em geral, através da promoção regular de atividades variadas - cursos, workshops, consultas e palestras -, onde as técnicas terapêuticas também compareciam, mas em menor escala que a praticada atualmente. Por outro lado, os espaços que priorizavam a questão terapêutica eram basicamente instituições de formação profissional com um enfoque direcionado, abarcando uma ou um conjunto restrito de técnicas afins, como é o caso, por exemplo, da acupuntura.

O que podemos observar na década de 90 parece ser uma reconfiguração da oferta de cursos e atendimentos terapêuticos no âmbito dos espaços alternativos. Uma parcela crescente de espaços que durante a década de 80 possuíam um perfil acentuadamente "esotérico" vão, pouco a pouco, incorporando um número cada vez maior de técnicas terapêuticas ao leque de atividades oferecidas, promovendo uma pulverização das possibilidades de formação profissional nessa área, não mais restrita aos "institutos" da década de 80. Os espaços alternativos que surgiram na década de 80 conseguiram sobreviver à década seguinte na medida em que redefiniram o perfil das atividades oferecidas, o que significa dizer que incrementaram a oferta de atividades terapêuticas. Se na década de 80 os espaços alternativos eram fortemente marcados pelo que chamo de perfil "esotérico", a novidade que a década seguinte trouxe foi o surgimento dos espaços terapêutico-alternativos.

A crescente proliferação de cursos ao longo da década de 80 constituía um poderoso indicador de que a demanda pelas práticas alternativas tornava-se cada vez mais extensiva ao público em geral. Implicado nesse mesmo movimento, surgiam em progressão geométrica um número cada vez maior de profissionais dispostos a promover cursos e atendimentos. Devido a um relativo "inchaço" de profissionais no circuito alternativo já no início da década de 90,aliado ao agravamento da crise econômica pela qual vinha passando o país ao longo de toda a década de 80, criaram-se inúmeras dificuldades para a manutenção de um espaço particular, onde pudessem ser oferecidos cursos, workshops e atendimentos. Some-se a isso as dificuldades pelas quais passa qualquer profissional liberal em início de carreira: ainda desconhecido e com uma pequena e flutuante clientela.

Boa parte dos espaços alternativos que se encontram atualmente em funcionamento tende a adotar algumas regras básicas de funcionamento:

  1. Ampla variedade de atividades oferecidas distribuídas entre cursos, consultas e workshops;
  2. Flexibilidade de horário das atividades, compondo uma agenda articulada em função da disponibilidade de horário do terapeuta e do paciente;
  3. Flexibilidade na utilização das suas dependências físicas, o que indica que os profissionais não costumam ter salas próprias. A utilização das salas é feita mediante o tipo de atividade que nelas são oferecidas;
  4. Atendimento centralizado para a marcação das atividades.
  5. Sistema de aluguel de horários das salas, com flexibilidade de pagamento, podendo constituir-se numa taxa fixa ou num percentual sobre o valor da consulta.

A categoria nativa "espaço alternativo" - dentre outras como, por exemplo, "espaço holístico" ou "espaço esotérico" - é por mim utilizada com o objetivo de delimitar a especificidade de uma atividade profissional praticada num determinada configuração coletiva de espaço físico. Em primeiro lugar, ela se distingue da "clínica", onde é praticada a terapêutica convencional. Em segundo lugar, ela refere-se a um espaço coletivo de trabalho, diferentemente do "consultório" particular de um profissional, seja ele alternativo ou não. Por fim, essa categoria remete a uma dimensão mais "institucional", que compreende uma maior visibilidade do trabalho desses profissionais, em contraste com o espaço privado de atendimento, realizado, por exemplo, na casa do profissional ou na do cliente.

No entanto, embora essa categoria configure um primeiro recorte de análise, ela não dá conta da diversidade de perspectivas que podem ser observadas nesses espaços que compõem o circuito alternativo. Sob a denominação de "espaço alternativo" encontra-se reunida atualmente uma variedade de experiências e grupos muito diferenciados entre si, com critérios distintos e muitas vezes concorrentes de legitimidade profissional. 

Tomando como base o mesmo levantamento de anúncios de espaços, realizado em diferentes jornais alternativos dessa área[2] e que abarca os anos 1991 a 1996, bem como através de observação participante realizada em vários deles, pude constatar que não somente eram enormes a diversidade dos perfis apresentados, como também a variedade das atividades oferecidas, não sendo raro o profissional articular, no âmbito do seu trabalho, um leque de práticas e técnicas bastante diversificado. No que diz respeito ao atendimento, que a princípio supunha restringir-se às práticas alternativas, verifiquei que vários espaços incorporam, em alguns casos, até mesmo atividades relacionadas à terapêutica convencional, como a psicologia e a medicina.

Procurei, num primeiro momento, compreender essa diversidade tomando como eixo central a maior ou menor ênfase concedida à dimensão terapêutica no âmbito das atividades oferecidas. Cheguei, então, à seguinte classificação:

  1. Espaços terapêuticos - uma boa parte dos espaços existentes atualmente podem ser classificados nessa categoria. São espaços que oferecem um conjunto variado de atividades relacionadas- diretamente ou por afinidade - às técnicas terapêuticas alternativas e, em alguns casos, relacionando-as também à terapêutica convencional. 
  2. Espaços esotérico-terapêuticos - constituem a maioria dos espaços existentes atualmente, onde articulam-se, em diferentes arranjos, atividades estritamente terapêuticas e atividades esotéricas de uma forma geral.
  3. Espaços esotéricos - os que se incluem nessa categoria oferecem esporadicamente cursos e consultas relacionadas às técnicas terapêuticas alternativas. Mesmo nesse caso, vários espaços costumam valorizar a dimensão terapêutica implicada no conjunto das atividades esotéricas e/ou místico-religiosas que são regularmente oferecidas.

Pelo que pude observar ao longo das minhas visitas e conversas com vários profissionais que trabalham em diferentes espaços, a maior ou menor ênfase concedida à promoção de atividades terapêuticas - no caso, cursos, workshops e atendimentos relacionados às técnicas alternativas de tratamento e diagnóstico - corresponde uma determinada configuração do espaço físico e das atividades desenvolvidas. Embora essas diferenciações não sejam estanques - havendo mesmo inúmeras possibilidades de combinação - elas apontam para um certo delineamento da identidade do espaço, como podemos observar no esquema abaixo:

Relação entre a oferta terapêutica e perfil do espaço
- comercial+ comercial
1234
+ terapêutica- terapêutica

As referências "terapêutica" e "comercial" aqui apresentadas não são valorativas, apenas orientam a construção dos diferentes perfis observados nos espaços alternativos. Nesse sentido, a referência "terapêutica" implica numa certa configuração do espaço mais aproximativa da noção de "clínica", onde se destacam algumas características básicas:

  1. Uma decoração "sóbria" do espaço físico, através de uma utilização "econômica" de um conjunto de signos esotéricos, como gnomos, cristais, pirâmides, incensos, pêndulos e objetos de decoração com motivos esotéricos (cartazes, almofadas, tapetes, mantas, etc.). Embora esses signos compareçam, em maior ou menor quantidade, dentro das salas de atendimento, eles são menos utilizados e até inexistentes na sala de espera.
  2. As atividades ali desenvolvidas são regulares. como cursos e atendimentos. Eventualmente podem ser programados workshops e cursos de curta duração, que atraem um público maior.
  3. A maior parcela das atividades desenvolvidas é de atendimento, tanto do ponto de vista da carga horária dos profissionais, como da demanda do público que procura o espaço.
  4. Menor rotatividade tanto dos profissionais que trabalham no espaço, como do público que o freqüenta.

A referência "comercial", por sua vez, deve ser associada, para efeito comparativo, à idéia de "loja", que aqui é contrastada com a idéia de "clínica". As características que se seguem são expostas segundo essa ênfase contrastiva:

  1. A configuração do espaço físico é diferente do tipo anterior. Tanto nas salas de atendimento como na sala de espera, podem ser observadas uma ampla gama de artigos esotéricos compondo a decoração. Nesse caso, a sala de espera assume uma conotação mais "pública", onde costumam ser montados pequenos balcões com a venda de produtos naturais e esotéricos em geral.
  2. As atividades oferecidas não são tão regulares como no tipo anterior. Não são raros o cursos que são montados em função de demandas conjunturais.
  3. Comparado ao caso anterior, existe, de uma forma geral, uma diminuição de ênfase no atendimento e nos cursos de formação. Em relação aos cursos, em geral são mais procurados as palestras, os workshops, e os cursos de curta duração.
  4. Maior rotatividade e diferenciação de profissionais e de público. Os profissionais incluem os terapeutas, mas também outros profissionais que oferecem cursos e atendimentos da área esotérica em geral.

A perspectiva apresentada no quadro, portanto, encontra-se orientada por duas variáveis inversamente proporcionais, indicando uma tendência que pode ser resumida da seguinte forma: quanto maior a ênfase concedida às atividades de tratamento e diagnósticos alternativos, menos explícita será a dimensão "comercial" do trabalho desenvolvido. É preciso, no entanto, enfatizar que, em se tratando de tendências, as possibilidades de composição ao longo desse continuum são extremamente variadas, onde os tipos-limite de "clínica" e "loja" apontam para um conjunto mais geral de orientações que podem ser diferentemente articuladas segundo a especificidade de cada espaço .

Os Tipos 1, 2, 3 e 4, que aparecem na composição do quadro, representam as principais possibilidades empíricas de articulação das dimensões "terapêutica" e "comercial". Com base nessas diferenciações, pode-se agora retomar a classificação geral dos espaços alternativos, esclarecendo melhor as suas especificidades:

Tipo 1 - Espaços Terapêuticos: são espaços alternativos, sem venda de produtos esotéricos, com ênfase acentuada no atendimento terapêutico;

Tipo 2 - Espaços Esotérico-Terapêuticos: são espaços alternativos onde pode haver ou não a venda de produtos esotéricos, e onde as atividades são distribuídas entre atendimento e cursos tanto na área terapêutica como na área esotérica em geral.

Tipo 3 - Espaços Esotéricos: são espaços alternativos onde a ênfase recai na venda de produtos esotéricos e a realização de cursos de curta duração com temáticas variadas, tratando, eventualmente, das técnicas terapêuticas alternativas. Em alguns casos, podem também oferecer atendimento, na forma de consulta- mas não exatamente tratamento terapêutico regular.

Tipo 4 - Lojas Esotéricas: A prioridade reside na venda de produtos esotéricos, embora possam ser eventualmente realizadas palestras e cursos esporádicos, enfatizando basicamente a área esotérica em geral. Não oferecem qualquer atendimento terapêutico.


Atividades Oferecidas nos Espaços Alternativos do Grande Rio (1991-1996)

Tratamentos Convencionais Tratamentos Alternativos Esoterismo Outros
Medicina Racionalidades Médicas Alternativas Oráculos Idiomas
Psicologia e Psicanálise Terapias Corporais Auto-Conhecimento/ Esoterismo/ Ocultismo Outros
Estética e Embelezamento Técnicas de Tratamento
e/ou diagnóstico
Ciências Ocultas/ Controle da Mente  
  Massagem Cultura/ Filosofia/ Mitologias  
  Práticas/Vivências    
  Estética e Embelezamento    

A imprensa alternativa carioca

Ao abordarmos a questão da "imprensa alternativa", alguns pontos iniciais merecem ser esclarecidos. Chamo aqui, por comodidade, de "imprensa alternativa", apenas as publicações que circulam junto a profissionais, público e adeptos do circuito alternativo. São em sua grande maioria jornais do tipo "tablóide", que possuem uma circulação limitada e dirigida. É no âmbito dessa imprensa que circulam as informações e anúncios de interesse do adepto que se movimenta no circuito carioca. Ficam excluídas dessa análise, portanto, publicações de grande circulação, como, por exemplo, a revista "Planeta".

A "imprensa alternativa" que tomo por objeto de análise é uma designação muito geral, para um vasto conjunto de publicações, periódicas ou não, envolvendo uma complexa rede de afinidades entre grupos. No entanto, apesar da enorme variedade de linhas editoriais, ela pode ser agrupada mediante algumas características básicas:

  1. a distribuição e circulação percorrem espaços sociais afins, como espaços alternativos, lojas esotéricas, escolas de iniciação, círculos esotéricos os mais variados, espaços religiosos e/ou de meditação de linha oriental ou ocidental, mas pode incluir também algumas áreas "psi", da homeopatia, da acupuntura, etc. ;
  2. todos esses jornais são distribuídos gratuitamente, o que implica que seus custos são cobertos inteiramente pelos anunciantes e/ou pelos espaços que os publicam;
  3. são pequenos jornais, muitos deles de produção familiar, possuindo uma diagramação um tanto demodé, se comparados aos jornais de grande circulação no Rio de Janeiro ou ainda à imprensa alternativa de outras áreas, como artes plásticas, cultura, etc.

Até o final dos anos 80, esses jornais se caracterizavam por uma alta rotatividade de títulos aliada a uma baixa periodicidade. Pelo que pude constatar, quase nenhum jornal dessa época sobreviveu - pelo menos com a mesma estrutura - à década seguinte, ou seja, os mais importantes jornais dessa área atualmente em circulação iniciaram suas atividades somente na década de 90. Por outro lado, o que se observa nesta década - principalmente a partir de 1992 - parece ser um movimento de estruturação, indicado pelo surgimento de vários jornais com periodicidade e distribuição regulares e que possuem também uma duração maior, se comparadas à década passada. Também nesse período começa a surgir uma preocupação mais sistemática com relação à regularidade dos anunciantes e com o público-alvo.

Dentre os vários títulos que circulam atualmente, analisei mais detidamente os mais importantes, levando em consideração alguns critérios de escolha tais como a sua regularidade e grau de penetração na rede terapêutica alternativa. São eles: "Homeopatia e Vida", "Ganesha", "Pêndulo", "Alvorecer", "Universus" e "Essência Vital" que, pelo menos até 1996 podiam ser encontrados nos diferentes espaços alternativos, lojas esotéricas, livrarias e farmácias homeopáticas, casas de produtos naturais e algumas poucas bancas de jornal[3].

Traço, a seguir, um perfil de cada jornal, apresentando a sua trajetória e a forma como ele é elaborado internamente:

1. "Ganesha" - É um dos mais antigos jornais atualmente em circulação. Começou em 1991, quando ainda se encontrava diretamente ligado à Academia Brasileira de Quirologia, com o título "Quiromance". Parece também ser, segundo todos os terapeutas que entrevistei, o mais difundido dos jornais dessa área. Possui periodicidade mensal, com uma regularidade invejável ao longo de todos esses anos. Começou pequeno, como a maioria dos jornais dessa área, que geralmente oscilam entre quatro e doze páginas. Veio crescendo ao longo da década, até que em 1996 já contava com 48 páginas em cada edição, número muito superior a qualquer outro jornal em circulação. A quantidade de anunciantes também impressiona, se comparado aos demais: apresenta um leque bastante heterogêneo e extenso de espaços alternativos, lojas esotéricas e de anunciantes individuais. É o jornal mais facilmente encontrado no Rio de Janeiro: sua rede de circulação é bastante organizada e abrangente, abarcando toda a região metropolitana do Rio de Janeiro e até mesmo outras cidades do país. Em 1996 foi criada a "versão paulista" do jornal, produzida pela mesma equipe e exclusivamente orientada para a divulgação do "mercado" paulista.

A linha editorial adotada é, em geral, bastante" politizada", com constantes comentários sobre os acontecimentos políticos e sociais que se encontram na "ordem do dia". A estruturação do jornal é pouco diversificada, compondo-se basicamente de reportagens feitas pelo próprio editor, onde são abundantes as citações de opiniões e concepções emitidas por "especialistas" do tema tratado. O espectro dos temas abordados é bastante amplo, incorporando diferentes questões esotéricas, religiosas ou filosóficas. O comparecimento de temas terapêuticos é grande, o maior dentre todos os jornais analisados. Pode-se dizer que, em relação aos demais jornais da área, é o mais bem-sucedido e o mais "comercial", na medida em que possui o maior número de anunciantes regulares, a melhor distribuição, ao mesmo tempo direcionada e extensiva, abarcando uma área geográfica bastante expressiva.[4]

2. "Pêndulo" - Este jornal também começou a circular em 1991, com oito páginas. Sua periodicidade era quinzenal, deixando de circular em alguns períodos ao longo desses anos. Em agosto de 1996 muda de título, passando a se chamar "Gwyddon". A área de abrangência anunciada pelo jornal é bastante extensa: medicinas alternativas, técnicas terapêuticas, linguagens corporais, psicologias transpessoais, parapsicologia, disciplinas espiritualistas, artes divinatórias, alimentação natural, cosmologia, ufologia, ecologia, música "new age", literatura, teatro, cinema, vídeo e turismo esotérico. Ao longo de sua existência esse jornal promoveu várias mudanças no que se refere à diagramação e tipo de papel utilizado (durante um certo período o jornal foi confeccionado em papel reciclado, em consonância com a sua "proposta ecológica" mas por pressão de custos retornou ao uso de papel comum).

É um jornal com um perfil mais diversificado que "Ganesha": comparecem colunas sobre lançamentos de livros, divulgação de cursos, passeios, eventos em geral, música new age, terapias, "dicas energéticas", ecoturismo; matérias assinadas ou não e informações variadas. É interessante ressaltar a existência de uma coluna regular intitulada "cura". No que se refere à linha editorial adotada, ela é bem menos "politizada" e mais "espiritualizante" e "ecológica", se comparada ao "Ganesha".

3. "Alvorecer" - O início de sua atividade data de janeiro de 1994, com periodicidade mensal, sendo vendido em bancas de jornal e distribuído gratuitamente em alguns espaços. Sua regularidade foi mantida ao longo desse tempo. É um jornal ligado ao Centro da Consciência da Unidade, uma instituição de iniciação esotérica, pertencente à Fraternidade Branca Universal, conferindo ao jornal um caráter "espiritualista". Publica reportagens, artigos assinados, entrevistas e seções variadas sobre eventos, endereços de instituições, de livros, cartas e turismo místico-ecológico. Publica duas colunas específicas sobre a questão terapêutica: "Terapias Holísticas" e "Saúde Plena".

4. "Universus" - Começa a circular em 1994 com periodicidade bimensal, depois alterada para mensal. É ligado à Astro*Timing, uma escola de formação de astrólogos no Rio de Janeiro. No seu sub-título constam as áreas abordadas: astrologia, esoterismo e terapias alternativas, mas a maior parte das matérias são referentes à astrologia e suas áreas afins.

5. "Homeopatia & Vida" - Começou sua atividade em 1991, com um enfoque fundamentalmente homeopático, no intuito explícito de divulgar o caráter "científico" da homeopatia. Possui várias seções de assuntos: artigo principal, eventos, cartas, entrevistas e colunas assinadas. Com o passar do tempo, foi incorporando à sua linha editorial outros tipos de terapias, aumentando consideravelmente o espaço dedicado às técnicas terapêuticas alternativas.

6. "Essência Vital" - É o mais recente dos jornais analisados. Começou a ser publicado em 1995 com quatro páginas apenas mas já alcançava doze páginas no ano seguinte. O formato e a diagramação são semelhantes às do "Pêndulo" e nele também predomina o enfoque "espiritualizante". São poucas as matérias sobre técnicas terapêuticas alternativas. A questão terapêutica é abordada de forma mais geral.

A Feira "Parapsy 97" em Paris

A Feira "Parapsy 97" é apenas um dentro os numerosos eventos desse gênero realizados em Paris ao longo do ano. A sua nomeação específica é a de "Salão de artes divinatórias e de medicinas naturais", tendo ocorrido entre 31 de janeiro e 9 de fevereiro de 1997, no "Espace Champerret", localizado à noroeste de Paris, bem perto de uma das "Portas" que leva o mesmo nome. A primeira impressão que se tem na chegada em nada difere da organização das feiras esotéricas que costuram ser organizadas no Rio de Janeiro. A distribuição do espaço físico é organizada através de "stands" perfilados em seqüência, contando ainda com um espaço de conferências e um setor de divulgação, localizado logo na entrada da feira , onde pode-se adquirir as mais variadas publicações relativas a esse circuito. Como em muitas feiras cariocas, o acesso às suas dependências é pago, permitindo a circulação aos stands e ao conjunto das conferências a serem realizadas no dia específico da visita. No entanto, as consultas propriamente ditas, que são realizadas nos stands, devem ser pagas à parte, variando o seu preço conforme o tipo de serviço a ser oferecido e a qualificação da pessoa que o realiza. O preço médio dessas consultas girava em torno de 200 francos (correspondendo, à época, a aproximadamente 40 reais), embora muitos serviços pudessem destoar bastante desse padrão médio, não tanto para baixo, mas, na maior parte das vezes para cima (algumas consultas giravam em torno de 1000 francos, o equivalente a 200 reais).

De acordo com o guia da feira, que era distribuído à clientela no hall de entrada, o número total de stands era de 85, onde subdividiam-se os serviços disponíveis da seguinte forma: "consultas", "vida saudável" e "conferências". Como nas feiras cariocas, os stands de consulta eram os mais numerosos, perfazendo um total de 48, onde, em sua maioria, restringiam-se à veiculação dos serviços de profissionais específicos e não de espaços alternativos, muito embora, em suas propagandas eles se encontrassem vinculados a um ou mais espaços onde realizavam suas consultas periodicamente. Listo abaixo as "especialidades" que eram oferecidas por esses profissionais com a ressalva de que quase todos praticavam mais de uma atividade, o que indica a existência de várias possibilidades de combinação a nível pessoal. Para uma visualização das "especialidades" mais recorrentes, apresento a numeração que aparece à direita, que corresponde à quantidade de vezes em que estas foram anunciadas pelos profissionais no guia da feira:

Especialidades/td> Freqüência
Vidência 31
Mediunidade 24
Tarot 21
Numerologia 8
Magnetismo 5
Vidas Anteriores, Regressão 5
Quiromancia, Linhas da Mão 5
Cartomancia, Bola de Cristal 4
Radiestesia 2
Astrologia 2
Geomancia 2
Canal, Curandeirismo, Energização e Tarot, Marca de Café, Parapsicologia,
Runas, Soforologia, Tantra, Terapias bioenergéticas.
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À medida em que circulava por entre os stands, logo notei que a semelhanças com as feiras cariocas paravam por aí. Eu que já era bastante familiarizada com o circuito carioca, tendo visitado feiras no Rio, em Niteroi e em Petrópolis, estranhava bastante a forma como se distribuíam os serviços místico-esotéricos, religiosos e terapêuticos alí oferecidos. Como podemos observar na enumeração das "especialidades", a sua maior incidência recai sobre as atividades situadas no universo da paranormalidade, enfocando acentuadamente a dimensão divinatória das atividades exercidas. A maior parte dos stands oferecia os serviços de apenas um profissional, sendo que a designação de "vidente" e de "médium", quando não era exclusiva, caracterizava o "carro-chefe" de sua atividade. A diferença mais perceptível foi, portanto, a grande concentração de videntes e de médiuns (a maior parte deles conjugando essas duas "especialidades") nesse espaço, constituindo, de longe, a atividade numericamente mais relevante e também a mais procurada pela clientada em geral[5].

A segunda classificação, de "vida saudável", apresentada no guia da feira compunha-se de um conjunto de serviços bastante diversificado, se comparados ao das "consultas". Sendo oferecidos em 32 stands, incluem-se nesse sub-grupo atividades referentes, em sua maioria, à venda de revistas, livros, CDs, produtos de beleza, alimentares, esotéricos e religiosos em geral. Encontramos ainda nesse sub-grupo a oferta de consultas de grafologia e fotos de aura através de aparelhos especializados.

A programação de conferências caracteriza, no âmbito do guia, o terceiro sub-grupo de atividades oferecidas nessa feira. Durante os 10 dias de instalação do evento, foram programadas 69 conferências. Variando entre 6 e 7 conferências diárias, elas iniciavam-se no final da manhã e se estendiam até à noite, apresentando uma duração média de uma hora. As conferências podem ser sub-divididas em dois grandes grupos: conferências expositivas e demonstrativas. Em relação as primeiras, as temáticas apresentadas inseriam-se num espectro bastante amplo, compreendendo questões de caráter místico-esotérico, religioso, de auto-aperfeiçoamento e terapêutico. Em contrapartida, as sessões de demonstração tendiam a concentrar-se nas temáticas da hipnose e da vidência.

A circulação de informações no circuito parisiense

Tal como no Rio, Paris possui um circuito de práticas alternativas bastante amplo e diversificado. São lojas esotéricas, espaços e clínicas terapêuticas, livrarias, feiras, restaurantes, templos religiosos, etc. Não tomarei como fio de analise da dinâmica desse circuito os diferentes tipos de espaços alternativos, mas a circulação das informações sobre esse circuito e que podem ser encontrados em diversos tipos de publicação a que tive acesso.

Uma primeira diferença que podemos observar refere-se à abrangência do público-alvo, com evidente repercussão na amplitude dos seus pontos de vendagem. O primeiro grupo das revistas serão aqui caracterizadas como mais "comerciais", na medida em que podem ser facilmente encontradas em bancas, lojas e livrarias. Encontram-se nesse primeiro grupo revistas como Médicine douce e La vie naturelle. Ambas abordam um conjunto variado de temáticas que tem por objetivo central a divulgação de uma concepção abrangente de saúde, que incorpore não somente os cuidados com o corpo, mas também a sua dimensão psico-emocional. Embora à primeira vista elas assemelhem-se com algumas revistas que circulam no Rio e em outros estados, centradas na divulgação de um "estilo de vida saudável", aquelas abordam um conjunto de técnicas, posturas e práticas alternativas: "medicinas naturais" como a homeopatia e a medicina chinesa; técnicas alternativas de cuidados corporais como a radiestesia, a kinesiologia; alimentação natural, dentre outros; enquanto que as do Rio, que são vendidas em bancas, centram-se mais em estética corporal, cuidados com a alimentação, dietas, etc. ("Boa Forma", por exemplo). Os subtítulos das revistas parisienses evidenciam essa opção: "uma outra maneira de viver" (Medicine douce) e "a primeira revista de saúde, ecologia e de medicinas alternativas" (La vie naturelle). Além das matérias e artigos variados, ambas as revistas contém pequenas seções de anúncios de serviços de profissionais dessa área, bem como a divulgação de cursos, seminários e feiras pertencentes ao circuito alternativo.

O segundo grupo de publicações pode ser considerado de circulação direcionada. Costumam ser encontrados em lojas e livrarias especializadas, em espaços alternativos e nos eventos dessa área. Inserem-se nesse grupo as seguintes revistas: Science & Magie, 3e Millénairee Le Soleil Levant. Encontram-se ainda incluídos nesse grupo alguns catálogos anuais ou "Guias", tais como Le guide astrologique, Le guide du paranormal e Le guide de l'ésotérisme et de la spiritualité[6].

As revistas e guias acima apresentados não configuram um grupo homogêneo de publicações. Tanto no que se refere ao aspecto visual (diagramação, formatação e qualidade do papel utilizado), bem como no teor dos artigos e matérias apresentadas, existem muitas diferenças entre elas. Ambas as revistas Science & Magie e 3e Millénaire são publicações de alto padrão gráfico, mas com linhas editoriais bem demarcadas. A primeira concentra seus artigos e matérias em torno do esoterismo com ênfase acentuada nos fenômenos paranormais. A segunda, por sua vez, apresenta basicamente entrevistas e artigos assinados, onde são abordados temas no campo da espiritualidade, das psicoterapias e da filosofia. Não apenas a linha editorial, que comparece na escolha dos assuntos a serem abordados em cada uma das revistas é bastante distinta, como também a forma de exposição se diferencia, evidenciando diferenças de "estilo", com conseqüentes repercussões no público leitor. Os artigos da 3e Millénaire são assinados por "especialistas", muitos deles de renome internacional, onde os temas abordados são tratados segundo uma perspectiva "científica", ao passo que, na Science & Magie, pode-se notar uma tendência mais "jornalística" na forma de exposição das matérias.

A revista Soleil Levant se diferencia das anteriores no que se refere ao padrão gráfico, que é inferior ao das revistas anteriormente citadas. Embora adotando uma padrão gráfico de "revista", de qualidade superior ao do formato "tablóide" (encontrado no circuito carioca), o perfil dessa publicação é o que mais se assemelha ao dos "jornais alternativos" que circulam no Rio de Janeiro. No seu sub-título constam as seguintes referências: "desenvolvimento pessoal, saúde holística e criatividade". Trata-se de uma publicação com circulação gratuita, onde comparecem artigos, matérias e diferentes colunas, abordando um conjunto diversificado de temas. Os anunciantes ocupam uma boa parte da diagramação da revista, onde são subdivididos por "especialidades" e por área de localização. São profissionais, espaços alternativos, cursos, seminários, eventos, festas, conferências, compondo um quadro bastante aproximado à diversidade de atividades anunciadas nos jornais cariocas.

Os guias constituem publicações anuais, na forma de um catálogo, onde são arrolados um conjunto de profissionais subdivididos por "especialidades" e por área geográfica[7]. O Guide du paranormal (1996) apresenta uma relação de profissionais de toda a França, subdivididos por 7 regiões administrativas (parisiense, norte, leste, oeste, centro, sudeste e sul). O guia conta ainda com uma seção onde se localizam os profissionais de países vizinhos e uma seção de serviços via "minitel"[8], que compreende profissionais de todas as regiões do país. São dezesseis as "especialidades", que passo a enumerar abaixo: 

  1. astrólogo
  2. quiromante
  3. exorcista
  4. geobiólogo[9]
  5. grafólogo
  6. hipnotizador
  7. magnetizador
  8. marabout[10]
  9. médium
  10. radiestesista
  11. runas[11]
  12. soforólogo[12]
  13. les taches d'encre[13]
  14. tarólogo
  15. vidente
  16. diversos

Além da apresentação dos profissionais segundo as diferentes "especialidades", o guia também apresenta diversos anúncios de serviços onde, em sua quase totalidade, abarcam as áreas da vidência e técnicas divinatórias em geral. Diferentemente do que pude verificar no circuito carioca, a presença de profissionais que lidam com técnicas terapêuticas alternativas é bastante reduzida nesse guia. O qualificativo de "paranormal" no próprio título do guia parece-me bastante sugestivo da ênfase acentuada num conjunto de práticas, técnicas e habilidades pessoais centradas em procedimentos divinatórios e de ocultismo.

Algumas notas comparativas

No circuito parisiense, a presença acentuada de profissionais que possuem o dom da vidência, associado ou não às técnicas divinatórias e ocultistas, e que se encontram reunidas em torno do qualificativo mais geral denominado paranormalidade, parece apontar para algumas especificidades em relação ao circuito carioca de práticas alternativas, tal como este vem se configurando ao longo dos anos 90[14].

Uma primeira questão a ser explorada refere-se à "especialização" dos profissionais no desenvolvimento de uma habilidade derivada de um "dom", por um lado, e do aprendizado técnico, por outro. Numa análise comparativa dos dois circuitos, essas duas dimensões parecem ganhar pesos diferenciados, apresentando graus distintos de tensão na articulação entre esses dois referenciais. A grande presença de videntes que pude constatar na "Feira Parapsy", bem como a acentuada diferenciação verificada nas diversas publicações alternativas do circuito parisiense sugerem a existência de sub-circuitos mais ou menos autônomos que se encontram direcionados para diferentes públicos-alvo, no qual os critérios de verificação da competência e da seriedade profissional diferenciam-se bastante conforme a área de atuação do profissional.

No âmbito do circuito carioca de práticas alternativas, observa-se não somente um crescimento acentuado das técnicas terapêuticas, mas uma preocupação mais difusa com a abordagem terapêutica, que perpassa a diversidade das práticas em geral. Nesse contexto, a preocupação com a qualificação técnica, implicando necessariamente a aquisição de uma habilidade através de um aprendizado controlado e sistemático, vem aguçando as tensões em torno da constatação de uma habilidade "nata", vivenciada como um "dom" e da habilidade "adquirida". Na construção de sua identidade profissional, os profissionais cariocas procuram transitar entre esses dois pólos de legitimação, elaborando modelos relativamente "móveis" de competência, que articulem, com pesos diferenciados esses dois referenciais.

Em ambos os circuitos, a diversidade de práticas místico-esotéricas, ocultistas e terapêuticas é bastante acentuada. No entanto, a organização dessa diversidade é operacionalizada de forma a compor dinâmicas bem diferenciadas na sua estruturação interna, bem como no delineamento de suas fronteiras externas. No caso parisiense, observa-se a grande importância que as práticas circunscritas ao campo da paranormalidade vem adquirindo, bem como a verificação de sua "autonomia" em relação a outras práticas e técnicas características do circuito alternativo. Da mesma forma, a análise das diferentes revistas alternativas que circulam nessa cidade indicam uma "especialização" de abordagens e temáticas, evidenciando estratégias mercadológicas bastante distintas. No circuito carioca, por sua vez, essa segmentação parece-me mais implícita, não facilmente visualizada através de indicadores externos. Tanto a análise dos espaços alternativos como a da imprensa dessa área oferecem-nos indicações de que os critérios de diferenciação intra-grupo e extra-grupo podem ser recombinados segundo diferentes contextos.

Tal como no caso parisiense, no circuito carioca também verificamos a presença de técnicas divinatórias e de vidência em geral, mas, na maior parte dos casos, elas se encontram mescladas com outros procedimentos e técnicas que tendem a compor um competência profissional onde a eficácia da técnica é constantemente enfatizada. Assim, o profissional carioca manifesta uma acentuada tendência à "hibridização" de técnicas, compondo um "arranjo" pessoal, apontando para a existência de sub-circuitos menos autonomizados que os do circuito parisiense.

Nesse sentido, o meu interesse principal de investigação não residiu na verificação da maior ou menor diversidade de práticas, técnicas e orientações alternativas apresentadas em cada uma das cidades, mas sim em como e de que forma os profissionais desse mercado organizam, no âmbito de suas trajetórias, essa diversidade, construindo diferentes critérios de competência profissional e imprimindo dinâmicas bem distintas na configuração de ambos os circuitos.

Bibliografia

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____________ (1998) - Alquimias da cura. Um estudo sobre a rede terapêutica alternativa no Rio de Janeiro. (Doutorado em Sociologia). Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - UFRJ.

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Notas

[*] Trabalho apresentado nas IX Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, realizada no Rio de janeiro, em 1999.

[1] A noção de "circuito alternativo" aqui utilizada refere-se a um conjunto de práticas, vivências e orientações bastante heterogêneo, que remetem à construção de um "estilo de vida" pautado por uma preocupação cotidiana em torno do "cuidado de si" e do "auto-aperfeiçoamento". Sobre a caracterização desse circuito no caso parisiense, ver Champion, 1990. No Brasil, dentre vários autores, ver Werdner Maluf, 1996; Tavares, 1998 e Amaral, 1994.

[2] Foram analisados os seguintes títulos; "Ganesha", "Homeopatia & Vida", "Universus", "Essência Vital", "Alvorecer" e "Pêndulo". Mais adiante apresento o perfil de cada um desses jornais.

[3] Existem também outros jornais que tiveram importância, mas que não serão aqui analisados de forma sistemática em razão do seu curto período de existência, como é o caso, por exemplo, do jornal "Religare", do Rio, e do "Inguz", em Niterói. Uma outra categoria de jornais também será excluída de nossa análise: são aqueles que possuem como eixo central a divulgação das atividades de alguma instituição ou espaço alternativo específico, apresentando um perfil bem mais restrito que os demais. É o caso, por exemplo, do jornal "O Novo", do Instituto de Bio- Integração e o jornal "Cepamat Saúde", do Centro de Estudos e Pesquisas em Acupuntura e Medicina Asiática.

[4] Em entrevista que realizei com seu editor, ele me afirmou que o jornal "Religare", uma publicação bem produzida, durou pouco "porque tinha matérias muito longas, muito analíticas", o que o tornava "pouco atraente" para o grande público.

[5] Dada a importância dessas duas "especialidades", elas comparecem associadas a vários qualificativos. No caso da mediunidade encontramos três designações: mediunidade, mediunidade espírita e mediunidade internacional. A vidência conta com um leque mais amplo de variações: vidência, vidência de aconselhamento, vidência céltica, vidência pelo cigarro e tarot, vidência direta, vidência por fotos, vidência sem fotos, vidência pura, vidência sem suporte e vidência com suporte.

[6] Não tive acesso a nenhum exemplar desse último guia. Apenas deixo aqui registrada a sua existência.

[7] Na época de minha pesquisa, não tive conhecimento da existência de nenhuma publicação desse tipo no circuito alternativo carioca . Neste trabalho vou me ater à análise do Guidedu paranormal, por considera-lo mais representativo das questões que venho abordando.

[8] O "minitel" constitui um sistema de informação por computador que abarca todo o território francês. Através dele pode-se, por exemplo, obter informações sobre horários de vôos ou trens, reservar passagens ou ter acesso à programação cultural. Existem muitos serviços de vidência e cartomancia que são oferecidos nessa rede, sendo bastante procurados pelo público em geral.

[9] Conforme a explicação que é oferecida no guia, "a geobiologia é a ciência que estuda a influência do solo sobre tudo que nele vive". Não encontrei, no Rio, a mesma designação para essa "especialidade". No circuito carioca ela é absorvida à radiestesia.

[10] Segundo o guia, "os marabouts são geralmente originários de uma região da África chamada Casamance, região à que eles se referem". São feiticeiros, e praticantes de "magia sacrificial".

[11] Em francês "runologue". Optei pelo nome da atividade por não haver haver equivalência em português para designar o profissional que trabalha com runas.

[12] A soforologia é apresentada, no guia, como uma arte de relaxamento, com vistas a se reduzir o stress. Não tenho conhecimento da nomeação dessa "especialidade" no circuito carioca.

[13] Preferi conservar o termo em francês por não haver encontrado, em minha pesquisa, a "versão brasileira" dessa técnica. É possível que ela também seja aqui praticada, mas tenha recebido uma outra designação ou que tenha se inserido em um outro conjunto de técnicas divinatórias. O procedimento, segundo descrito no guia, é o de lançar sobre o papel algumas borras de tinta para que os "desenhos" aleatórios possam ser posteriormente interpretados pelo profissional. No Rio, o que mais se assemelha a essa técnica é a leitura em borras de café.

[14] Sobre a importância que vem adquirindo o fenômeno da vidência no contexto francês, ver Laplantine (org), 1991.