TEIXEIRA, Faustino (org.)
A(s) Ciências(s) da Religião no Brasil: Afirmação de uma área acadêmica. São Paulo, Ed. Paulinas, 2001, ISBN: 85-356-0740-4

por Carlos Alberto A. de Sousa[1]

O seminário organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Outubro de 2000, sobre a identidade da(s) Ciência(s) da Religião no Brasil, está sendo colocado agora para o público, em geral, através deste pequeno livro A(s) ciência(s) da Religião no Brasil – afirmação de uma área acadêmica, que coloca uma discussão muito ampla de cunho metodológico/epistemológico e social/histórico sobre o tema, como também a correlação entre esta disciplina e outras que tem por objeto de pesquisa e estudo a religião, ou as religiões.

A preocupação básica dos pesquisadores e alunos de diversas universidades (PUC-SP, UMESP, UFJF, Univ. Católica de Goiânia), que participaram do Seminário e que contribuíram para a constituição deste livro, era discutir os fundamentos básicos deste campo de pesquisa, a(s) Ciência(s) da Religião, e evidenciar o seu locus adequado na academia brasileira, como também, sua pertinência e seus desafios. Cremos esta leitura é indispensável para pesquisadores e pesquisadoras, de um modo geral, e especialmente os que se dedicam a esta área de estudo.

A(s) Ciência(s) da Religião no Brasil, presente em alguns centros acadêmicos, há muito vem discutindo sua identidade e afirmação quanto área de pesquisa. Muitas posturas se levantam, e os seus centros acadêmicos, além de possuir uma nomenclatura diferente, apresentam abordagens bem distintas, dependendo do interesse específico do corpo docente. Certamente, isto constitui uma dificuldade em torno de uma identidade, como também a constituição de um programa de pesquisa que possua uma aceitação e uma contribuição frutífera para a sociedade brasileira, ou quem sabe, talvez, este seja o nosso "jeito brasileiro" de trabalhar e viver nossa pluralidade sem restrições.

Certamente este livro traz grandes contribuições, pois a amplitude e a complexidade do tema abordado não lhe atribui nenhum vestígio de obscuridade ou hermetismo. Todos os capítulos são expostos de uma forma muito clara e didática. Para eu, que estive participando daquele seminário, ler este livro foi como se estivesse novamente ouvindo os professores falarem, como a mesma clareza e nitidez.

Posso dizer que alguns temas fundamentais são bem mais desenvolvidos dentro desta temática, muitas vezes os autores rodam pelas mesmas leituras e são abalados pelas mesmas preocupações. Portanto, vemos que um grupo de autores do presente livro [Luiz Felipe Pondé, Frank Usarski, Antônio Mendonça (presente entre dois grupos de autores, pois ele possui dois artigos neste livro)] apresenta uma preocupação mais nítida com as questões epistemológicas e organizacionais da(s) Ciência(s) da Religião. O Intuito destes pesquisadores giram em torno de fomentar uma definição metodológica para este campo de estudo, como também, fundamentá-lo quanto há um campo de pesquisa que possua uma contribuição singular para a produção do conhecimento na academia brasileira. Porém, podemos muito bem estabelecer fontes distinções acerca de seus artigos:

O Prof. Luiz Felipe Pondé da PUC-SP, apresenta suas reflexões detido mais especificamente numa abordagem estritamente epistemológica. Para este pesquisador, todo cientista da Religião, deve possuir uma cultura epistemológica, indispensável para seu trabalho. Sendo assim, praticar epistemologia, na linguagem ponderiana "é ter consciência do drama presente na experiência dos limites de nosso aparelho cognitivo e nas diferentes (insuficientes) formas de transmissão dos conteúdos produzidos por este aparelho" [p.11-12]. Portanto, o conhecimento se configura como uma experiência dramática, e no seu âmbito, toda forma de repouso e segurança deve ser submetido a um processo de dúvida e ceticismo, especialmente para quem trabalha em um campo tão complexo como o da religião.

Trabalhando com este tema, de uma "epistemologia da controvérsia" (Dascal), Pondé procura nos tornar conscientes que o "campo científico de estudos do fenômeno religioso é um caso 'clínico' típico de controvérsia" [p.17]. pois a briga epistemológica entre o singular (religião) e o plural (religiões) a respeito do objeto, como também as questões acerca do método (fenomenologia versus empiricismo histórico) se dão num campo bem longe de um espaço de paz e repouso, e além do mais, este espaço tranqüilo, por pura precaução, deve ser mantido bem distante, pois para estes epistemológos repouso cognitivo é sinônimo de ignorância/morte.

O Prof. Usarski da PUC-SP, nos traz suas preocupações epistemológicas de um modo bem diferente, sua abordagem possui uma conotação mais organizacional. Ele nos apresenta a teoria dos paradigmas de Thomas Kuhn, a partir de sua obra A estrutura das revoluções científicas, como um modelo metateórico de grande proveito para a Ciência(s) da Religião. Ao abordar a teoria de Kuhn, Usarski trabalha as dimensões filosóficas, sociológicas e históricas de um paradigma, nos apresentando uma bela compreensão desta teoria.

Um outro intuito de Usarski, ao escrever este artigo, é nos apresentar uma referência epistemológica para a Ciência(s) da Religião, a partir do modelo assumido na Alemanha, nos mostrando como este traçou seu perfil paradigmático na sua história, evidenciando uma exclusão da abordagem fenomenológica e fazendo uma segura opção pela pesquisa indutiva. Segundo o Prof. Usarski, suas reflexões podem "contribuir para um debate metateórico mais intenso e amplo entre cientistas da religião no Brasil" [p.101], como também o modelo paradigmático alemão da(s) Ciência(s) da Religião) pode nos servir como um indicador para uma reflexão das condições metateórica da(s) Ciência(s) da religião no Brasil.

O Prof. Mendonça da UMESP, passeando pelos clássicos da Filosofia e da Religião, nos traz no seu primeiro artigo, neste livro, uma belíssima reflexão numa excelente erudição. Ele nos fala constantemente do valor e da seriedade de um estudo científico da Religião, pois esta possui um papel essencial e estruturante no mundo humano. E este estudo não pode deixar de lado a "singularidade" da própria religião. E neste âmbito a experiência fala com mais propriedade do que a própria razão instrumental.

Mendonça, dentro de uma tradição mais fenomenológica, nos lembra também a importância da teologia neste âmbito de estudos da religião, pois além desta "avançar para além dos limites da razão", ela possui o papel de "captar e reconstruir por meio de conceitos, de modo racional, o mundo contínuo, a fim de dar sentido ao mundo fragmentado e descontínuo" [p.119]. Sendo assim, a razão ao mesmo tempo que ela é ultrapassada, também nos deixa sua contribuição para a construção de um mundo diferente dentro do mundo dos iguais.

O Prof. Luiz Henrique Dreher da UFJF, nos apresenta um brilhante artigo, que logo em seguida é acompanhado por um comentário crítico do Prof. Antônio Mendonça. A temática é mostrar a situação dos cursos de Ciência(s) da Religião na academia brasileira, com uma espécie de auto-reflexão teórica desta área e a organização de seu sistema de pós-graduação no Brasil; também, como estar demarcado a diferença entre Teologia e Ciência(s) da Religião na ANPTER (associação nacional de pós-graduação em Teologia e Ciências da Religião) e sua problematicidade.

O artigo do Prof. Dreher trata da(s) Ciência(s) da religião como uma nova área acadêmica mostrando sua relação com outras áreas de conhecimento. Para Dreher, a "marca do estudioso de religião é, em primeiro lugar, isso: o fato de que lida com um objeto de estudo extremamente complexo, que exige uma formação multifacetada e que resiste a simplificações" [p.155]. Portanto, de todos os lados, a segurança de um método como também a certeza de um objeto, neste âmbito ainda se constitui como um "dilema".

De forma muito simples o autor apresenta seu desejo com relação a uma Ciência da Religião que ele gostaria de praticar: "A ciência da religião que eu gostaria de praticar é uma disciplina que busca enfocar a especificidade da religião e dos fenômenos religiosos, sem cair em reducionismos, dogmatismo (...) e descritivismo" [p.176].

Um outro grupo de pesquisadores [Marcelo Camurça, Otávio Velho e, mais uma vez, Antônio Mendonça] apresentam uma certa inquietação quanto as contribuição das ciências sociais na pesquisa da religião e seu lugar na(s) Ciência(s) da Religião. Quando o Prof. Camurça da UFJF, ao tocar no tema da nomenclatura, de fundo epistemológico, percebe-se em sua reflexão, uma rechaça a abordagem fenomenológica, como totalmente inviável, pois esta seria uma ameaça ao caráter empírico e relativista das ciências sociais, como também a um modelo interdisciplinar para a(s) Ciência(s) da Religião.

Nesta recusa ao método fenomenológico, como também as críticas ao Prof. Mendonça por parte de Camurça, configuram-se uma tentativa da construção de modelo epistemológico para a(s) Ciência(s) da Religião que evidencie o aspecto empírico, a partir da contribuição das análises sociais e antropológicas.

Sua preocupação com "uma abordagem científica do fenômeno religioso", que deve ser o perfil da(s) Ciência(s) da Religião, e ao mesmo tempo com uma abordagem interdisciplinar, que "salvaguarde a autonomia e a criatividade de cada área (...) buscando uma articulação entre elas" [p.211], denotam bem a cabeça de uma cientistas social, que procura reserva um espaço próprio para si dentro da(s) Ciência(s) da Religião, e ao mesmo tempo combate as formas de abordagem essencialistas e platonizantes presente nestas.

O outro artigo neste bloco é o de Otávio Velho, um grande sociólogo. Velho trabalha a complexidade de um estudo da religião. Para ele, há um drama neste estudo por parte do pesquisador, pois, no mesmo tempo que, o cientista "crente" corre o risco de envolver-se no seu estudo e comprometer suas conclusões, para o cientista "secularizado" há o risco da falta de reconhecimento da irredutibilidade da religião, e cai numa abordagem simplista e irreal. Porém, para o autor "o estudo da religião é o terreno propício para indicar a absoluta impossibilidade, em muitos casos, de se manter uma postura de mera observação" [p.236]. Sendo assim, a religião, tem muito a nos oferecer em nosso estudo, como também a outras disciplinas, que de uma forma mais coerente se aproximam deste complexo objeto com plena consciência de todos os seus ruídos e dramas.

Antes de passamos a um último bloco de autores neste livro, temo o segundo artigo do Prof. Mendonça, onde ele nos narra a aventura de três intelectuais franceses que passaram pelo Brasil fazendo estudo acerca da religião, e que de uma certa forma os pioneiros e "pais" dos estudos acadêmicos sobre religião nesta terra de "Santa Cruz". Roger Bastide, Henri Desroche e Emile-G Leonard foram presenças vivas entre as décadas de 30 e 50, no corpo docente da USP, e que desenvolveram estudos sobre a religião no Brasil. Seus estudos possuem um forte cunho empírico e sistemático, podendo nos servir como base para nossas reflexões.

Os autores que se apresentam nos últimos capítulos do livro [Faustino Teixeira, Eduardo Gross] nos colocam diante da preocupação latente sobre o espaço da teologia entre a(s) Ciência(s) da religião, e a contribuição que aquela pode oferecer a esta(s). O Prof. Faustino da UFJF, mediante seus estudos de teologia das religiões, nos apresenta como esta pode traçar um edificante diálogo com a(s) Ciência(s) da Religião e nos trazer grandes contribuições, apesar das complexidades que se estabelecem nestas aproximações.

O Prof. Faustino inicia seu artigo nos falando acerca do estatuto epistemológico da teologia, e como essa pode ser vista como uma das demais disciplinas da(s) Ciência(s) da religião.

O Prof. Eduardo Gross da UFJF, a partir de uma distinção entre teologia e teologia cristã, nos apresenta como a teologia pode justificar sua afirmação entre "as disciplinas que abordam o tema da religião no âmbito acadêmico".

Estes dois artigos de cunho mais teológico nos propõem lançar um novo olhar sobre a teologia(s), percebê-las não como algo que se contrapõe a(s) Ciência(s) da religião, por seu caráter mais metafísico, mais como campo de estudos que pode-nos contribuir, em nossas investigações, com um repertório conceitual diferenciado.

Creio que de um modo geral, este livro será uma leitura bem inquietante para todos estudiosos de Ciência(s) da Religião no Brasil, pois no mesmo tempo que ele nos coloca no bojo da discussão epistemológicas que é profundamente instigante, ele nos apresenta em que pé está a afirmação de nossa área neste vasto Brasil.

Todos os intelectuais que escreveram para este livro são pesquisadores envolvidos com os estudos da religião no Brasil. Isto espelha, que de uma certa forma, a(s) Ciência(s) da Religião está ganhando espaço no pensamento brasileiro, e evidenciando sua importância quanto a um campo de pesquisa que pode muito contribuir para a academia brasileira, de um modo geral. Certamente, este livro, representa um "novo horizonte" para os estudos de religião no Brasil.

Notas

[1] Professor de Filosofia, no Instituto São Boaventura e mestre em Ciências da Religião pela PUC de São Paulo.