BENTO, Fábio Régio (Org)
Cristianismo, Humanismo e Democracia. São Paulo: Paulus, 2005, ISBN: 8534924031. 294 p.

por José J. Queiroz

Pesquisar as relações entre cristianismo e democracia a partir de uma abordagem humanista é o objetivo desta obra. O organizador do livro, Fábio Régio Bento, na Introdução, busca definir o que é humanismo. O termo não pode ser definido em abstrato, mas adquire sentido dentro de um contexto social histórico determinado e a partir de fatos sociais. Ele recolhe as insatisfações da humanidade frente a determinadas situações históricas e indica a construção de valores humanos a partir do enfrentamento dessas situações. Valores preexistentes como os do cristianismo, da democracia, se anexam a essa construção, mas o ponto de partida é sempre a insatisfação, o confronto e a rebeldia frente a situações desumanizantes, que devem ser observadas, analisadas, avaliadas. O humanismo apóia-se na esperança de mudanças; o ponto de chegada são as mudanças sociais.

Cristianismo e democracia: da soberania dos “pastores” à sabedoria das “ovelhas” é o título do primeiro capítulo de autoria do organizador da obra. Ele define a verdade moral em um contexto pluralista, e nesse mesmo contexto, estuda a relação entre natureza, cultura e verdade moral para depois focalizar a revolução das ovelhas, isto é, a passagem da tutela moral à soberania dialógica da consciência de sujeito.

A inquisição entre justitia et misericórdia. Humanismo ou anti humanismo? ´é o tema do segundo capítulo, escrito por Geraldo Pieroni. Com a Bula do papa Paulo III – Meditatio Cordis – de 1543, instala-se em Portugal o Tribunal da Santa Inquisição e com ele a caça aos heréticos, que compreendiam cristãos novos, bígamos, feiticeiras, visionários, sodomitas, curandeiros, blasfemadores, padres falsos e sedutores, falsos testemunhos e transgressores dos segredos do Santo Ofício. O método era a pedagogia do medo que levou esses infelizes a uma longa degradação. O autor descreve os horrores da inquisição sob o signo da justiça, e também, sob o manto da misericórdia, vários casos em que as penas foram alteradas, comutadas e até perdoadas.

Fé cristã e democracia, é o terceiro capítulo de autoria de Clodovis Boff que inicia tratando a problemática da relação entre teologia e democracia apontando “a democracia vivida” das bases populares, os desafios da democracia à reflexão teológica e oferece uma definição de democracia. Em seguida, trabalha o discernimento teológico da democracia, as bases antropológicas do ideal democrático a partir do ser humano. Essas bases são o Deus-comunhão, o poder serviço e as interpelações que essas categorias teológicas levantam ao ideal democrático.

A cultura de democracia é trabalhada por João Batista Libâneo, no quarto capítulo. O autor pretende olhar a atual cultura democrática, como se vive entre nós, e refletir sobre ela à luz da fé cristã. Começa discorrendo sobre os limites da democracia formal eleitoral, focaliza o espírito democrático na relação entre os países no concerto das nações, as possibilidades de outras instâncias, como as religiões, que possuem experiências espirituais milenares e contribuem para a paz e a democracia em nível mundial. No horizonte último das aspirações humanas, o autor propõe a necessidade de repensar na conjuntura atual a tríade “liberdade, igualdade, fraternidade”, pois, embora ela continue sendo o maravilhoso ideal para a humanidade, há uma versão burguesa dos valores da Revolução Francesa em detrimento das imensas maiorias. A autor conclui apontando que a perspectiva cristã é crítica aos poderes atuais que se firmam na força, no saber monopolista, no dinheiro, na imposição e na concorrência desvairada e anuncia novas possibilidades utópicas para a humanidade.

Agenor Brighenti trabalha, no quinto capítulo, o tema Pessoa- comunidade-sociedade: o trinômio da realização da vocação humana e cristã. Essa realização acontece no âmbito da pessoa, da comunidade. Daí a necessidade de analisar os caminhos que conduzem do individualismo ao coletivismo até chegar à personalização, e à visão da pessoa como horizonte da revolução judaico-cristã. A pessoas e a personalização se realizam na comunidade, que tem conotação peculiar no âmbito da revelação cristã e na esfera social. A doutrina social da Igreja e as orientações da CNBB – testemunho, serviço, diálogo, anúncio - são pistas preciosas para refazer o tecido social e enfrentar o escândalo da exclusão e da violência na sociedade contemporânea.

Educadores do Reino de Deus é o tema abordado por Dom Murilo S.R. Krieger, no sexto capítulo. Trata da espiritualidade que deve animar os educadores do Reino de Deus, aos quais compete continuar a missão evangelizadora de Jesus. O autor lembra a importância da educação dos filhos de Deus e as dimensões da espiritualidade; percorre as etapas do processo educativo do povo de Deus na travessia do deserto sob o comando de Moisés; reflete sobre a essência do anúncio do Evangelho e se volta para os dias atuais, lembrando que a Igreja quer que os seus educadores busquem águas mais profundas e respondam aos anseios daqueles que querem ver Jesus.

Elias Wolf, no sétimo capítulo, trabalha Humanismo e Religião. A relação entre essas duas realidades é profundamente complexa, dada a dificuldade de compreensão do que vem a ser religião e humanismo. Há, na hipótese do autor, uma intrínseca relação entre os dois termos, porém não imune de ambigüidades, que devem ser superadas. Depois de apontar as complexidades semânticas ínsitas nos conceitos de religião e humanismo, e as ambigüidades dessa relação, ele passa a indicar as vias de encontro, a via antropológica, a teológica, - detendo-se no diálogo inter-religioso – a via sociológica, na qual sobressai a cooperação inter-religiosa para a promoção do humanismo.

Em Crença, Aceitação e Fé Pragmatista, título do oitavo capítulo. Felipe Müller investiga a noção de crença, depois a fé em geral, para chegar à fé pragmatista, na qual ele identifica várias características, tais como a aceitação de alguma proposição, de crer em alguém, de ter fé que alguma proposição seja verdadeira, de ter fé em alguém. Aplicando essas características ao campo religioso, a fé pragmatista pode incluir certas atitudes, por exemplo, aceitar que Deus existe, que é misericordioso e tenha outros atributos, que crê em Deus, que tenha fé que Ele retribui algumas de nossas atitudes, que tenha fé n’Ele a ponto de confiar-lhe a própria vida.

No último capítulo, Selvino José Assmann discorre sobre O Direito à vida ameaçado. Diante da barbárie que continua sob nossos olhos, afirma o autor, citando Adorno, que “desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia”. O direito à vida é garantido a cada um pelo simples fato de ter nascido membro da espécie humana, independentemente da família, da condição econômica, social e política. Após esse preâmbulo, o autor passa a apontar as razões da nossa perplexidade atual, sendo a mais ampla a ligação perversa entre a produção globalizada da riqueza e a exclusão da maioria dos seres humanos. Os direitos humanos, tantas vezes declarados, continuam sendo ameaçados e violados. É preciso acreditar na possibilidade de derrotar a primazia do econômico que conduz à terrível desvalorização da vida e superar a mentalidade dominante segundo a qual não há alternativa à organização capitalista da sociedade nacional e internacional.

Este breve garimpo pela obra permite concluir que se trata de um trabalho rico em informações e análises, que abrem horizontes e pistas para quantos queiram ter uma visão mais aprofundada das relações que interligam cristianismo, humanismo e democracia, e se disponham, na prática, a trabalhar para a construção de um humanismo inspirado nos princípios cristãos.