O Crítico de Arte

  Certa vez, quando era professor na Universidade de São Paulo (USP), Mario Schenberg, então já um renomado físico, marcou uma prova em sua casa. Não era uma exceção: as turmas eram pequenas, e o físico fazia isso com freqüência para conhecer melhor seus alunos. Um deles teve uma surpresa ao chegar lá. "O que eu via parecia ter saído de um conto de fadas", disse ele em uma frase apresentada na exposição O Mundo de Mario Schenberg, realizada em 1996 na Casa das Rosas, em São Paulo. "Uma casa cheia de obras de arte, quadros e artistas circulando, interrompendo a prova, de maneira que eu já nem sabia direito o que estava fazendo."
  Schenberg sempre nutriu paixão pela arte. Seu trabalho como crítico era reconhecido pelo público e pelos artistas. O físico escreveu textos sobre Alfredo Volpi, Lygia Clark e Hélio Oiticica, entre outros. Conheceu Di Cavalcanti em Paris, e as duas companheiras que teve na vida - ele orgulhava-se de ser legalmente solteiro - eram artistas. Tinha uma coleção de arte invejável e expunha quadros até na cozinha e nos banheiros de sua casa. Eram telas de pintores famosos misturados com obras de iniciantes, que ele comprava para ajudá-los. "Como crítico de arte, sempre lhe interessaram as pessoas dos artistas, como eles se ligavam no mundo", diz a física Amélia Hamburguer, membro do Conselho da Cátedra Mario Schenberg do Instituto de Estudos Avançados da USP.
  No entanto, o pernambucano não era apenas um interessado pela arte. Nos anos 1940, quando passava uma temporada na Universidade de Chicago, ele pegou algumas lentes de um laboratório de astrofísica e tirou fotos que, depois de expostas no Observatório de Yerkes, foram parar dentro de uma caixa de sapatos na bagunçada casa do fotógrafo.
  "O curioso em relação às fotos é que, através delas, Lygia Clark diz ter entendido o que era o expressionismo abstrato", diz uma citação do físico na exposição da Casa das Rosas. "Se for justo o que ela diz, fui um dos criadores desse movimento", diverte-se.
  O pernambucano publicou ainda livros sobre física, arte ou sobre si próprio. "Foi um período muito gostoso", lembra José Luiz Goldfarb, editor e biógrafo de Schenberg. As reuniões eram demoradas pois, segundo Goldfarb, Schenberg 'viajava' muito rápido. "Ele passava de um assunto a outro com uma facilidade incrível, mas nunca perdia o gancho", lembra-se. "Nunca o vi perguntar: 'Sobre o que eu estava falando mesmo?'. Ele sempre concluía o raciocínio."
  Foi durante a ditadura, porém, que Schenberg se dedicou com mais assiduidade à arte. Cassado e proibido de entrar no campus universitário, ele passou a viver das críticas que fazia. "Nessa época, ele descobriu que o meio artístico era muito mais solidário do que o acadêmico", diz Goldfarb.