Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Núcleo de Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Núcleo de Fé & Cultura Para Compreender o Amor Humano Pessoa & Sociedade Instituto João Paulo II
O PROJETO TEXTOS LIVROS LINKS FALE CONOSCO
BUSCA     
HOME > PESSOA & SOCIEDADE > TEXTOS > O QUE É SUBSIDIARIEDADE
O que é subsidiariedade
Por Vando Valentini*
 

*O padre Vando Valentini é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC/SP

Subsidiariedade no Ensino Social Cristão

A Encíclica Rerum novarum, do papa Leão XIII (1891), primeira grande intervenção da Igreja na questão social na época moderna, deixa implícito o princípio de subsidiariedade. O papa Pio XI, ao celebrar os quarenta anos dessa primeira Carta, em 1931, escreveu uma segunda Encíclica chamada Quadragesimo anno e, naquela ocasião, formulou o princípio de subsidiariedade de maneira precisa. De fato, assim podemos ler no nº 79 da Quadragesimo anno:

"Verdade é, e a história o demonstra abundantemente, que, devido à mudança de condições, só as grandes sociedades podem hoje levar a efeito o que antes podiam até mesmo as pequenas; permanece, contudo, imutável aquele solene princípio da filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e capacidade, para o confiar à coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é subsidiar os seus membros, não destruí-los nem absorvê-los".

Já nessa formulação fica evidente que o princípio de subsidiariedade apresenta um paradoxo. De um lado, pede a intervenção do poder público (Estado) para subsidiar a iniciativa da sociedade, e, de outro, exige que essa subvenção não destrua ou absorva as pessoas, as famílias ou os grupos que tomam as iniciativas. Pelo contrário, é fundamental que estes sejam postos em condições de levar a bom termo seu dinamismo e sua criatividade.

O texto continua desta forma, no nº 80:

"Deixe, pois, a autoridade pública ao cuidado de associações inferiores aqueles negócios de menor importância, que a absorveriam demasiadamente; poderá então desempenhar mais livre, enérgica e eficazmente o que só a ela compete, porque só ela o pode fazer: dirigir, vigiar, urgir e reprimir, conforme os casos e a necessidade requeiram. Persuadam-se todos os que governam: quanto mais perfeita ordem hierárquica reinar entre as várias agremiações, segundo este princípio da subsidiariedade [função 'supletiva'] dos poderes públicos, tanto maior influência e autoridade terão estes, tanto mais feliz e lisonjeiro será o estado da nação".

Poderíamos pensar que a importância desse princípio esteja no fato de que ele ajuda a defender uma forma de organização política da sociedade e a indicar um caminho eficaz para o bem-estar da população.

Mas a subsidiariedade, mais do que isso, pressupõe um conjunto de pontos de partida básicos, valores chave que dizem respeito ao valor absoluto da pessoa, ao valor da liberdade e, portanto, à maneira como se pensa no Estado e na sociedade. Essas idéias são as premissas fundamentais para compreender o valor de tudo o que está em questão.

A força da subsidiariedade está na importância da pessoa e na defesa da sua liberdade. Compreender isso é muito importante para não reduzir o problema apenas a uma preocupação instrumental (por uma maior eficiência social) ou a uma necessidade política (a de alcançar um acordo entre a ação do Estado e a dos movimentos populares).

O valor da pessoa e sua integração social

O ponto de partida da subsidiariedade está no valor absoluto do ser como pessoa. Esse é um valor único e irrepetível, que não pode ser reduzido ao jogo dos interesses econômicos ou do mercado.

Todo indivíduo, todo "eu", tem o direito à existência. Portanto, a cada um deve ser garantido um nível mínimo de assistência para que possa realizar o seu ser.

O que define a pessoa é o seu "desejo" de felicidade, de realizar plenamente todas as necessidades que carrega em seu coração. Aliás, sua vida será o caminho a ser percorrido para que essa satisfação possa ser alcançada.

Para responder a esse desejo, a pessoa se reúne com outras e constrói "obras" que possam responder às suas necessidades.

A função da política e do Estado é auxiliar a pessoa nessa sua criatividade. Neste sentido, todas as formas sociais, desde a família até o Estado, estão a serviço da pessoa.

Falamos em pessoa, e não em "cidadão", pois o que define quem sou eu e qual é o meu valor não é o Estado, mas algo que precede e fundamenta todas as coisas. Também não se trata de definir o "indivíduo", sujeito da visão liberal clássica; trata-se da pessoa como ser criado e que tem um valor absoluto, na medida em que permanece sempre em relação com seu Criador.

A subsidiariedade supõe que a pessoa humana seja por natureza um "ser social": a dignidade da pessoa exige que ela esteja em relação com os outros seres humanos, das mais variadas formas, desde a família até a participação social e política. A pessoa, ao associar-se com os outros, abre caminho para realizar-se mais em sua humanidade. Nenhuma pessoa pode ser feliz sozinha. Aliás, a existência e a finalidade da comunidade é a condição para que a pessoa prospere e alcance sua plena realização.

A idéia de subsidiariedade estende esse modelo de realização à escala da integração social. Isto é, tal como a pessoa se realiza com outras pessoas na comunidade, assim também as comunidades menores realizam sua tarefa interagindo com outros grupos e agregações maiores que existem para assistir e alimentar os grupos menores na realização de suas tarefas. Essa interação vai desde a família e as relações normais de amizade até os "movimentos populares" e as mais variadas organizações sociais, chegando até o Estado.

Nesse contexto, a função da política e do Estado é favorecer o desenvolvimento da sociedade e não organizar e comandar o processo social.

Para que essa integração social da pessoa se realize, é necessário que a pessoa e a sociedade sejam livres.

Qual é o papel da liberdade nesse contexto? A subsidiariedade exige que a pessoa tome livremente a iniciativa de querer alcançar seu destino de felicidade, exige que a pessoa se torne um sujeito ativo, se organize em grupos ou movimentos para criar "obras" capazes de responder a suas necessidades. Essa iniciativa da pessoa é o mais íntimo fundamento da subsidiariedade. Trata-se da valorização da iniciativa da pessoa como primeiro ator da dinâmica social.

Dessa forma, respeitar a liberdade da pessoa humana é respeitar a integridade dos grupos que ela venha a constituir, e isso exige que todas as sociedades, por respeito à liberdade da pessoa, respeitem a liberdade das formas "inferiores" de associação.

Como vimos na formulação do Ensino Social Cristão, não se trata apenas de defender, isto é, de "não interferir"; trata-se também de garantir uma "liberdade de ação". Neste sentido, a liberdade é entendida como a capacidade do homem de realizar plenamente sua dignidade. A liberdade da pessoa é encarada como recurso fundamental da criatividade popular e da identidade de um povo.

É evidente que essa liberdade pode e deve ser auxiliada por uma intervenção que crie as condições necessárias para que a criatividade da pessoa se realize. Assim, fica claro que todas as formas sociais, desde a família até o Estado, estão a serviço da pessoa.

Valor e limites do Estado: servir ao amadurecimento de um povo

Esta reflexão sobre o valor da pessoa cria as condições para que se possa falar das responsabilidades e dos limites do Estado. A responsabilidade do Estado é subsidiar as formas inferiores de organização social ou fazer apenas aquilo que um grupo inferior, sem a sua assistência, não tem condições de realizar por conta própria.

Retomando o tema de liberdade, que cabe ao Estado garantir, é preciso ressaltar alguns fatos:

1. A subsidiariedade afirma o valor da diversidade dentro da sociedade. A pessoa e as agregações de amizade e solidariedade que ela cria tornam única e de certa forma totalmente original a obra como forma de resposta numa determinada circunstância histórica e ambiental. Nascem, assim, respostas criativas e originais;

2. Quem gerencia os poderes do Estado não pode planejar o surgimento de sujeitos ou movimentos populares capazes de gerar respostas às necessidades da coletividade. Dessa forma, a aplicação do princípio de subsidiariedade contribui para que se mantenham vivas todas as identidades culturais e cresça a cultura da solidariedade no meio de um povo;

3. Vale a pena relembrar que quando um profissional está engajado em primeira pessoa como responsável do serviço que presta, ele se torna mais eficiente e eficaz. Em outras palavras, quando o Estado, para responder a uma necessidade, envolve diretamente a pessoa, esta se dispõe a investir muito mais. Isso faz amadurecer e se torna um fator de construção de um povo, pois o serviço é expressão de uma comunidade que se reconhece naquilo que faz.

4. Se tudo o que dissemos é verdade, a educação tem uma importância fundamental, pois o ponto chave é investir na pessoa para alcançar o bem-estar da coletividade.

Isso significa que, para a realização de uma verdadeira construção social, a verdadeira tarefa do Estado é uma tarefa educativa, a "educação do eu" livre e criativo. Como segunda tarefa, o Estado deve criar uma tipologia de leis que favoreça a iniciativa popular.

Último textos

Igreja em São Paulo: as razões da esperança – Parte II

O direito de viver

Tropa de Elite: há vencedores nesta guerra? Tropa de Elite: uma guerra sem saída?
Igreja em São Paulo: as razões da esperança – Parte I
O tempo perfeito

Deus habita esta cidade

Por que aprender a amar?
  
HOME > PESSOA & SOCIEDADE > TEXTOS > O QUE É SUBSIDIARIEDADE
 
Copyright © Todos os direitos reservados - Rua Monte Alegre, 984 - Perdizes - São Paulo - SP - CEP: 05014-001 - Tel.: 11 3670.8486 - email: fecultura@pucsp.br