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BOLETIM CLÍNICO - número 20- julho/2005

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


4. "Um Olhar Transpessoal sobre o Transtorno do Pânico"

Dados de identificação do cliente:
· Cliente: Renato
· Data de Nascimento: 10/12/74
· Sexo: masc.
· Estado Civil: casado
· Nível de Instrução: 1o grau completo
· Organização Familiar: ele, esposa e filho
· Trabalho: trabalho com tratamento de água
· Triagem: 01/12/03
· Início do atendimento Psicoterápico: 09/03/04
· Término do atendimento na Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic: 02/03/05
· Encaminhamento: consultório particular da própria terapeuta que o atendeu na Clínica da PUC-SP.

Triagem - 01/12/03
Renato chegou à Triagem dizendo que respirou pó de cerâmica, numa construção, há mais ou menos dois meses, e começou a ter falta de ar. Relatou que há 15 dias teve um episódio de medo, aflição, na qual o coração ficou acelerado, teve tonturas, dor de cabeça, sudorese, os pés e as mãos ficaram frias, as pernas trêmulas, e sentiu muito medo de morrer. Foi ao pronto-socorro, onde lhe deram uma injeção, segundo ele de calmante, e o encaminharam a um pneumologista. Tirou raio-x, fez eletrocardiograma, e todos os exames realizados deram normais. O médico disse-lhe que o problema era emocional e que deveria procurar um psicólogo. Teve quatro outras crises depois dessa, dizendo que, durante elas, ficava angustiado e chorava. Quando veio à triagem, tomava Passiflorine, feito em farmácia de manipulação. Renato é divorciado da primeira esposa, com a qual ficou casado durante 6 anos e tem um filho de 7 anos. Casou-se novamente, há três anos e meio, e desse casamento tem um filho de um ano e dois meses. Relatou estar tendo muitos problemas com a ex-mulher, principalmente por causa do filho. Muitas vezes ela não o deixa ver o filho interferindo na relação deles. Segundo ele, a ex-mulher usa o filho para agredi-lo. Renato tem pais vivos e sete irmãos. Disse se dar bem com toda a família. No terreno onde construiu sua casa, mora também, em outra casa, sua mãe, pai e irmã caçula e ainda há outra construção onde mora uma irmã, marido e filhos. Trabalha como auxiliar em tratamento de água e, além de muita água, lida com produtos químicos. Disse ter que usar luvas, botas e máscara e relatou gostar do trabalho. Em geral tem boa saúde. Referiu ter tido bronquite em criança. Foi encaminhado para psicoterapia individual e psiquiatria para verificar o diagnóstico levantado de Transtorno de Pânico e ser medicado caso necessário.

PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO
Psicoterapia de orientação Transpessoal / Psicossintética:
Trabalho com exercícios de Relaxamento, Imaginação Semi-Dirigida, Desenhos e Psicodramatização.

RELATO RESUMIDO DAS SESSÕES:

- Foram ao todo 40 sessões.
1a sessão - Na 1a entrevista fala da sua vida pessoal e repete dados que forneceu na triagem não trazendo nada de novo.
2a sessão - Conta do 1o casamento. De como é difícil se relacionar com a ex-esposa. Ela acaba interferindo no relacionamento de Renato com o filho. Conta que a traiu uma vez e que depois tinha medo de ser traído, o que acabou acontecendo. Isso gerou discussões. Por ser muito novo quando se casou, conta que sempre foi "rueiro", o que fez com que cometesse muitos erros. Ao se separarem, Renato disse que tinha perdido as duas coisas mais importantes da sua vida: sua mulher e o filho. Depois de três meses solteiro, conhece a atual esposa e se casa com ela. Diz que é muito ciumenta. Busca respostas para o seu problema do pânico. Por que tudo isso vai para o corpo?
3a sessão - Conta que sente ansiedade, tontura, batedeira no coração e medo. Se sente culpado pelos problemas que acontecem na família e isso o deixa muito confuso. Nesse dia, foi trabalhada a importância de nomear seus sentimentos para que possa mapeá-los e visualizá-los. Renato conta que quer se apoderar da força que faz com que ele crie doenças. A terapeuta diz que é essa mesma força que cria doenças que também pode criar a cura e a possibilidade do bem-estar. Que esse trabalho já começou desde o momento em que veio se tratar. Renato conta que está confiante e acreditando no tratamento e que esse é o passo seguinte para o tratamento ter bons resultados.
4a sessão - Conta que durante a semana não sentiu nenhum sintoma das crises, talvez porque não teve nenhum imprevisto. Fica mais tempo bem, do que mal e antes era o contrário. Conta que está fazendo atividades que gosta, como jogar futebol, desenhar e ler livros. Diz que no seu trabalho estão demitindo pessoas, mas que não está preocupado, que confia que está fazendo tudo corretamente. A única coisa que o preocupa é o ciúme da sua esposa, porque antes ele era "mulherengo". Ele diz explicar para ela que isso é passado. Outra preocupação é a confusão do seu filho do primeiro casamento sobre quando e com quem quer ficar. Não sabe como lidar com isso. Foi trabalhada a importância de nomear seus sentimentos e dialogar com as pessoas. Isso o ajuda a organizar o que se passa internamente e avaliar o que é seu e o que é do outro. Esta atitude pode ajudá-lo a distinguir o que é de sua responsabilidade e o que é responsabilidade do outro.
5a sessão - Ficou sem remédio por 4 dias. Teve uma crise de madrugada, parecida com um pesadelo. Teve que sair do quarto e beber água para acalmar-se, mas continuou ansioso. Diz que apesar disso vê melhoras, pois hoje consegue fazer o que antes não fazia, como pegar ônibus. Nesse dia Renato explorou a sala, desconfiado que alguém nos olhava pelo espelho. Fala sobre como está se sentindo na terapia e pergunta à terapeuta se ela acha que melhorou. Ela pontua a sua maior mobilidade, curiosidade, adaptação e autonomia no processo.
6a sessão - Sente ansiedade de não chegar a tempo. Diz que ainda sente medo, não sabe do quê. Suor e falta de ar ainda aparecem pela madrugada. Nesses momentos diz precisar achar uma porta e que quer se esconder dos outros. Trabalhou-se a questão do medo de estar em quietude e de ter que sempre estar em atividade. Foi feito um exercício de Respiração e, após o término do exercício, relatou ter tido dificuldades de executá-lo.
7a sessão - Diz que assume o erro dos outros e acaba se prejudicando, pois também não fala nada sobre o que o incomoda. Diz ter medo da chuva e do vento, desde criança. Conta uma situação de crise no ambiente de trabalho. Estava chovendo e precisou sair correndo com uma moto para desligar o equipamento. No meio do caminho, joga a moto no chão e corre para se proteger, ficando sem ar. Isso acontece mais uma vez, um outro dia, mas fala que dessa vez foi embora com a moto, se controlando. Foi realizado um exercício de Imaginação Semi-dirigida adaptada a situação que vivenciou, junto de Relaxamento e Respiração. Disse que antes de sair de casa se irritou com a esposa por causa do ciúmes. Diz ter ficado tenso com tudo isso. Renato dramatiza a cena com a ajuda da terapeuta, o que trouxe à tona a necessidade de trabalhar confiança na relação com sua esposa.
8a sessão - Conta ter tido uma boa semana. Jogou futebol, revê amigos e pessoas importantes da família. A terapeuta propõe um exercício com lápis de cor, para que Renato construísse o seu átomo social (as pessoas, coisas e papéis que o circundam). Ele se coloca ao centro, com o lápis branco. Diz estar sufocado. É branco porque hoje as coisas estão mais claras, antes era marrom. Do lado direito coloca a esposa, os filhos, família e amigos, representados pelos lápis amarelo escuro, amarelo claro, azul e rosa respectivamente. Do outro lado coloca a leitura, desenho, animais e time de futebol, representados pelas cores verde escuro, roxo, cinza e verde claro. Em uma posição superior estão a terapia, representando a esperança e, em cima, Deus, representados pelos lápis verde claro e verde escuro. Diz que o que o sufoca fica em cima dele, mais precisamente do lado direito, que é relacionado à família. Estes são: a ex-esposa e os problemas da sua vida, representados pelo lápis marrom e preto respectivamente. Em seguida, a terapeuta pede a Renato que faça um outro átomo social, representando como gostaria que fosse a sua vida. Renato tira os problemas da sua vida e a ex-esposa de cima dele e os coloca para trás, com menos peso. Diz que estão nessa posição pois eles sempre acompanharão a sua vida. Tira o lápis que representa si mesmo do meio dos dois lados e se coloca num plano à frente, após a terapia e Deus. Para ele, não dá para ficar no lugar da terapia, pois ainda não sabe ouvir. A terapeuta lhe diz que está aprendendo a discriminar e encontrar seu lugar e como estar bem.
9a sessão - Está irritado com a ex-esposa, a mulher e o trabalho. Quer voltar a estudar, mas não tem tempo por causa do seu emprego. Conta que, mesmo sabendo que já está se sentindo melhor, ainda gostaria de saber como ter a resposta do seu problema. Diz que tem dificuldades em encontrar solução para os seus problemas, que está tudo confuso e misturado. Em seguida, Renato dramatizou com o lençol da cama esse sentimento. Ele embola o lençol e diz querer conseguir separar as coisas para ficar menos confuso.
10a sessão - Teve mais uma crise. Sente-se culpado quando faz algo que não está acostumado. Se diz ansioso, tonto, perdido. Diz que antes as crises o derrubavam e se isolava. Hoje é diferente, tem mudanças e a maneira de solucionar as crises é diferente. Conta que sempre foi doente, desde a infância. Teve uma doença respiratória com 1 ano de idade, parou no hospital e quase morreu. Foi salvo por um milagre. A terapeuta pede um fato positivo e um negativo da sua vida. Conta de uma sobrinha de 1 ano que morreu. O fato em si é ruim mas foi bom porque ela existiu. Outro fato, foi o dia em que apanhou de uns meninos mas o pai foi ajudar. Fala que foi ruim mas percebe, também, o lado positivo, porque aprendeu uma lição.
11a sessão - Conta das demissões do seu trabalho, e da necessidade de estudar para ter maiores chances de continuar. Diz que vai começar a estudar. Se vê como a autoridade da casa e os outros como seus dependentes. Relata do seu apego a mãe, que para onde ela for, ele vai junto. Conta de sua dificuldade em ver o lado positivo das coisas. A terapeuta relembra da sessão anterior e sobre a percepção positiva que teve sobre os fatos ruins de sua vida.
12a sessão - Passa bem, está mais próximo da esposa, amigos e família. Fala que conta tudo o que lhe ocorre na terapia e que quer ser o mais verdadeiro possível. Conta de fatos positivos que lhe agradam. O Renato que vai ver os amigos hoje não é o mesmo Renato que ia ver os amigos há tempos atrás.
13a sessão - Esteve sem o remédio. Teve tonturas e suores. Conta que sente que falta algo no seu interior, mas que algo de dentro também tem que sair. A terapeuta propõe um Exercício de Relaxamento e Conscientização do corpo. Ao final, diz poder sentir a sua respiração e que vai fazer isso em casa. No exercício, diz ter lembrado dos filhos.
14a sessão - Diz estar bem, mas que não consegue ficar sozinho para fazer o exercício. Conta querer poder ficar sem o remédio, não quer ficar dependente dele. Agradece a Deus por estar bem e por esse momento, mas tem medo que a crise volte. A terapeuta pontua que, agradecer a Deus, é agradecer o momento presente, que o passado gera a culpa e o futuro a angústia. Foi trabalhada a valorização do momento presente.
15a sessão - Fala das falhas que teve como pai, de quando era "saideiro". Que deu mancadas com a ex-esposa, que quando foi traído quis se matar. Tentou melhorar de todo jeito e ela não quis voltar com ele. Sente um gelado e um susto quando lembra dos erros que cometeu e do medo da morte. Foi trabalhada a questão da morte ser uma forma de punição de seus erros. Lembra do suicídio de um amigo. Que esse amigo não contou para ninguém que ia se matar. Disse que poderia ter sido ele. A terapeuta lhe mostra a diferença dos dois, que Renato não guardou para si suas angústias, e que as compartilha no tratamento, podendo falar sobre verdades difíceis de serem ditas e que enquanto são negadas, ficam desconhecidas e o controla. Que isso já é a melhora. Renato lembra de ter perguntado à terapeuta como iria saber que estava bem, e que agora percebe a diferença de antes. Renato faz um desenho a pedido da terapeuta. Ele desenha o gato Garfield, que diz ser "brincalhão, "ignorante-sadio", que se dá mal mas sabe ser feliz, divertido. O gato segura um cartaz escrito Morte e Paz. A Morte atrapalha a Paz, que é o que quer atingir.
16a sessão - Fala que não admite errar e falhar. No seu trabalho não pode errar. Errou com a ex-esposa e com o filho. Quer mostrar que não está mais errado. Ficou sozinho por três dias, quando a esposa foi para a casa dos pais e foi muito ruim. Renato e a terapeuta trabalham a importância em se perdoar, além da idéia de que o sintoma representa algo que esqueceu de si mesmo, e que tem que relembrar. Isso se refere ao sentimento de gelado, de ansiedade com a possibilidade de errar. Esses sentimentos querem lhe lembrar algo. Se permitir perceber essas questões mostra uma mudança de postura da sua parte. Para ir mais fundo nessa questão, Renato dramatiza a vivência do Erro e do Acerto na sua vida. Ele percebe que tem acerto mesmo quando erra, que isso pode ser bom. O erro acaba lhe dando dicas: pode ser aceitável. Se deparar com o erro é poder se lembrar do que esqueceu, que pode perceber diferente as coisas. Ao final, diz para o erro que podem andar juntos.
17a sessão - Faltou sem avisar.
18a sessão - Teve uma falta anterior porque teve que trabalhar. Não conseguiu argumentar com o encarregado do trabalho, nem ligar para a Clínica. Achou que a terapeuta não iria mais atendê-lo. Ficou com o nariz entupido à noite, não conseguia respirar, se sentiu perdido. Não está tendo relacionamentos íntimos com a esposa, não consegue dizer que não tem vontade. Sempre conseguiu e sempre respeitou quando ela não queria. Nesse dia, trabalhou-se com a dificuldade em se comunicar, tanto no trabalho, como na terapia, como com a esposa. Poder se respeitar, situando o outro. Quando pode fazer isso, se respeita. Quando não faz, fica perdido, a mercê das expectativas do outro e o outro é desconhecido. Tanta culpa pelo erro lhe deixa entupido. Poder ser mais flexível na vida e recriar atitudes. Renato faz um exercício de Imaginação, com a síntese dos opostos: erro, acerto. Ele cria o símbolo do Dragão chinês.
19a sessão - Nessa sessão, foram trabalhadas as questões da sessão passada, com o simbolismo do dragão, dos opostos e da espiral ascendente. Do seu crescimento e evolução.
20a sessão - Conta de situações em que não soube dizer não. Foi trabalhada a importância de falar não e com a colocação de limites. O não limite é a crise, é estar perdido. Conta que sente vergonha do seu nome, prefere ser chamado pelo apelido. Renato e a terapeuta trabalham com a construção de laços de confiança, amigos, relacionamento e terapia.
21a sessão - Faltou e avisou que teria que trabalhar.
22a sessão - Teve uma falta anterior. Conta que voltou a estudar, mas perde o tempo de ficar com os filhos. Foi feita a dramatização de uma situação em que se sentia culpado quando acontece algo de errado com os filhos. Sente uma força que o prende, o sufoca. Quando respira a força se dissolve, se sente livre. Renato e a terapeuta trabalham com a questão de que coisas que são contra a sua vontade, ele engole, o que acaba por atacar o seu estômago. Renato diz ver a diferença em que antes achava que iria morrer e que agora pode respirar. Fala que tem mais auto-confiança e vê a importância da ajuda de Deus e da terapia mais o médico. Hoje tem recursos para lidar com a dor.
23a sessão - Diz que tudo melhorou: a esposa, os filhos, a escola, a terapia. Fala que hoje brinca com situações que antes lhe intimidavam. Foi trabalhado o desenho que fez do Garfield. Ele apaga o último "O" do Medo e escreve "Vitória". O jeito de ser do Garfield o ajuda a lidar com os problemas. Diz que vence o medo, tem mais controle e auto-confiança.
24a sessão - Fala da importância do tratamento psicológico mais o tratamento médico. Fala dos tratamentos que acontecem nas Igrejas. A terapeuta propõe o Exercício do Jardim Interior criado por Boccalandro (2002). Conta que sente a respiração mais fácil na terapia do que na rua. Acaba dizendo sozinho a resposta das suas crises, que foram provenientes de vários fatores e situações. Vê o Renato de antes e o de agora.
25a sessão - Faltou sem avisar.
26a sessão - Teve uma falta anterior. Disse que têm faltado na escola por conta da carga do trabalho. Fala de novo do risco de ser demitido e que não tem medo. Fala da falta que o seu filho mais novo sente dele. Fala do cuidado que tem que ter com os seus familiares. Diz estar desgastado de tanta atividade.
27a sessão - Fala que têm faltado muito na escola. Acha que se precipitou, mas não quer deixar de estudar, quer progredir e ensinar os filhos e ter um trabalho melhor. Acha que lida melhor com as dificuldades. Antes nem conseguia tomar água e esquecia de respirar. Tem vontade de mudar mais e relata não ter mais crises.
28a sessão - Faltou sem avisar.
29a sessão - Faltou sem avisar.
30a sessão - Conta da morte de um amigo em um desses dias que faltou. Era jovem, próximo da família. Morreu de ataque no coração, de repente. Fala do medo que tem em acontecer isso com ele. Não quer que os filhos o enterrem. Pensa nos filhos e na família. Conta um sonho. Foi feito um Exercício de Imaginação Semi-dirigida adaptada a sua vivência. A terapeuta pede que faça um desenho sobre a experiência. Renato escreve o nome dos filhos e da esposa e desenha a morte que é muito feia e gera sofrimento. Fala da contenção de suas emoções e da dificuldade que tem em extravasar.
31a sessão - Sente tontura. Está tentando parar de fumar. Quer trabalhar com outras coisas. Tem dificuldade em conversar com o filho mais velho. Não está indo mais à escola. Diz que se precipitou mas que não vai desistir. Se considera 100%, sem crises. Foi trabalhado o desenvolvimento e a percepção da sua Vontade.
32a sessão - Faltou sem avisar.
33a sessão - Faltou sem avisar.
34a sessão - Faltou sem avisar.
35a sessão - Como tinha faltado três vezes consecutivas, Renato pergunta à terapeuta se estava brava. Conta que sua vida está uma bomba. As pessoas de seu trabalho estão todas sendo demitidas, só ficou ele e mais um. A direção queria que ele se demitisse, ele não quis, quis ficar até que o mandassem embora. Acabou perdendo a oportunidade de trabalhar em outro lugar. Não quer se demitir porque acha que é um bom trabalhador. Ficou lá seis anos, nunca faltou, não se atrasa e faz tudo corretamente. Fala que está mal e não sabe o que fazer. Primeiro a terapeuta lhe diz que não está brava, e sim preocupada. Ela pergunta como estão seus horários e se acha melhor encerrar o tratamento devido a tantas faltas. Renato fala que não quer parar de vir à terapia e que agora não vai mais ficar se "matando" no trabalho, indo no dia da sua folga, deixando de vir no tratamento. Ela pontua sua posição nessa situação da demissão, do lugar que ocupa: um trabalhador responsável, dedicado, correto por tanto tempo, não pode se demitir. Renato acaba se sentindo desvalorizado e sem benefícios. Não vê que existe troca. Acaba escolhendo permanecer e que o desapego de certas posturas que tinha antes vão desenvolver novas qualidades importantes, valorizando mais seu tempo, prioridades e, principalmente, a si-mesmo. Renato faz aniversário de trinta anos essa semana. A terapeuta o deixa a par da Jornada da Clínica e da intenção em apresentar o seu caso clínico, por estar sendo um trabalho progressivo e positivo. Conta que trocaram as experiências e cresceram muito um com o outro. Ficou combinado que o tratamento na Clínica continuaria até fevereiro de 2005.
36a sessão - Renato fez uma retomada de todo tratamento e diz estar mais preparado. Diz que antes se apegava no que os outros falavam dele. Percebe que não tem mais os sintomas de antes, mas que não sabe o que vai ser da sua vida no próximo ano. Conta que vê sua vida como um filme e que até mesmo as pessoas ao seu redor percebem sua mudança. A terapeuta trabalha a idéia da borboleta no desenvolvimento de Renato e a importância de estar sempre se reinventando, o que diz respeito às suas expectativas no próximo ano. Ela pontua o desenvolvimento da "Consciência de testemunha", quando Renato diz ver sua vida como um filme, o que o auxilia num distanciamento e desprendimento dos padrões que regem seu comportamento favorecendo a possibilidade da mudança. Isso implica na sensação de estar mais preparado, com instrumentos para evoluir.
2005
37a sessão - Diz que está de aviso prévio no trabalho. Vai parar de trabalhar no dia vinte e seis de fevereiro. Conta que ficou sem remédio todo esse tempo. Acabou não pedindo a receita e que perdeu a consulta com o psiquiatra. Mas não voltaram os sintomas, está bem. Diz que já queria ficar sem remédio e que testou para ver se conseguia. Nesse dia passou na consulta. O psiquiatra disse que continuaria sem medicação e para procurá-lo se necessário. Conta que sonhou com a terapeuta, que ia em seu consultório com uma aparência de mais velho para dizer que estava se sentindo bem. Renato conta que, por ainda sentir ansiedade algumas vezes, gostaria de saber se essa é uma ansiedade normal ou se ainda é relativa às suas crises, que para ele fica tudo misturado, pois sente que ainda fica uma sombra. A terapeuta faz uma retomada das distinções que Renato já realizou com os seus sintomas e do que fez positivamente com os aspectos da sua sombra.
38a sessão - Faltou sem avisar.
39a sessão - Faltou sem avisar.
40a sessão - Faltou sem avisar.
A terapeuta o contata por telefone e Renato disse que estava sem o emprego e que ligaria assim que fosse possível para voltar a ser atendido no consultório particular.

UMA BREVE APRESENTAÇÃO DA PSICOSSÍNTESE

Roberto Assagioli (1888-1974) criou a Psicossíntese com o interesse de "sintetizar" todas as áreas da personalidade.
Suas palavras relatadas em uma entrevista no ano de 1974 (Keen, 1974 apud Boccalandro, 2003:35) se referem a Psicossíntese como uma abordagem holística, global e inclusiva, que leva em conta as necessidades biológicas, sociais e mentais, além da necessidade de significado e valores elevados, relacionados à vida espiritual. Em seguida, Assagioli diz que a Psicossíntese além de considerar o porão e o subsolo humano, como apontava Freud, volta seu interesse ao inconsciente superior e ao desenvolvimento do Self Transpessoal, que dizem respeito aos níveis da personalidade os quais Assagioli acreditava habitarem no terraço superior, onde as pessoas podem tomar Sol ou olhar para as estrelas.
Boccalandro (1998) aponta que a concepção de Assagioli sobre a personalidade humana tem um caráter Pluridimensional . De acordo com a autora (1998), ele construiu um diagrama representativo sobre os aspectos intercambiáveis que compõem a personalidade, que são:
- Inconsciente Inferior: relacionado ao inconsciente pessoal como o descrito por Freud;
- Inconsciente Médio: referente às experiências do passado que podem ser acessadas pela consciência assim que quisermos;
- Inconsciente Superior: onde estão latentes energias espirituais e funções psíquicas superiores como a intuição, o amor altruísta, inspirações artísticas, humanitárias, estados de contemplação, iluminação,...
- Inconsciente Coletivo: onde se encontram memórias da raça e a presença dos mitos;
- Campo da Consciência: onde residem os sentidos que podemos analisar;
- Eu Consciente ou Ego: centro do campo da consciência em que projetamos pensamentos, sensações, emoções e sentimentos. É reflexo do "Eu Superior";
- Eu Superior ou Self Transpessoal: centro ordenador e sintetizador que permanece sempre inalterado. É a consciência de sermos nós mesmos independente do corpo físico, emoções, pensamentos e valores que são mutáveis.
A Psicossíntese também trabalha com conceitos fundamentais: as subpersonalidades, identificação-desidentificação e a Vontade.
Sasportas (1994 apud Boccalandro, 1998) afirma que as subpersonalidades "são padrões de sentimentos, pensamentos, comportamentos, percepções, posturas e modos de movimentar-se que tendem a se unir em resposta às várias situações da vida" (p. 72-73). Para Boccalandro (1998), elas seriam "o papel representado por nós, dessa ou daquela maneira, isto é, não o nosso desempenho, mas o estilo do desempenho" (p.72). Isso significa dizer que "somos personalidades múltiplas" (Parfitt,1994:34).
Para Parfitt (1994), nós já temos consciência de que nos identificamos com muitas delas, são aquelas que detectamos mais facilmente, outras são mais suprimidas e residem no inconsciente médio.
É importante apontar que, de acordo com Boccalandro (1998), em cada subpersonalidade reside um traço psicológico de cunho emocional que não foi bem integrado. Isso não significa que elas são más. "Todas elas são expressões de elementos vitais de nosso ser" (Ferrucci, 1999:53). Para ele, elas só são lesivas quando nos controlam.
O trabalho com a Psicossíntese reside justamente aí: "... devemos nos tornar cônscios dessas subpersonalidades e, assim, poder sintetizá-las num todo orgânico maior, sem reprimir qualquer dos traços úteis" (Assagioli apud Boccalandro,1998).
Para realizar isso, a Psicossíntese trabalha com o princípio da Identificação-Desidentificação.
Conforme Ferrucci (1999) salienta, quando alguma subpersonalidade impõe seus padrões característicos sobre nós, excluindo todos os outros, nos tornamos prisioneiros dela.
Segundo Boccalandro (1998), Assagioli ressalta que quando nos identificamos "com uma fraqueza, defeito, emoção ou impulso pessoal" (p.73) nos tornamos limitados e paralisados.
Para que essas subpersonalidades não se tornem lesivas, o trabalho psicossintético tem como objetivo evitar que sejamos dominados por elas, ou seja, devemos nos desidentificar.
O processo de desidentificação "baseia-se principalmente no reconhecimento de que temos um corpo físico, um corpo emocional e um corpo mental mas não somos apenas esses corpos, eles nos pertencem, são nossos instrumentos para vivermos, (...) nós temos subpersonalidades, mas nós não somos essas subpersonalidades" (Boccalandro, 1998: 73-74).
De acordo com Ferrucci (1999) e Boccalandro (1998), primeiro temos de exercitar a observação. Ao nos tornarmos consciente delas, passamos a estabelecer uma comunicação, que tende a crescer conforme as tratarmos com compreensão, aceitando-as como existentes em nós. "A consciência não só liberta: também integra" (Ferrucci, 1999:56).
Esse trabalho implica em que a energia positiva existente em cada subpersonalidade e complexos venha à tona, que elas revelem "o potencial oculto que carregam" (Ferrucci, 1999), para contribuir com o desenvolvimento pessoal.
Boccalandro (1998) ressalta que existem algumas técnicas usadas pela Psicossíntese que ajudam nesse processo e podem ser usadas tanto em psicoterapia como em exercícios de auto-conhecimento, entre eles: exercício de reconhecimento das subpersonalidades, treinamento e uso da imaginação, visualização, relaxamento, exercícios respiratórios, utilização de símbolos, desenhos, psicodrama, entre outros.
Os exercícios facilitam na descoberta do potencial oculto e, assim, a possibilidade de transformação acontece. Desenvolvemos a flexibilidade, um sentido de comando e auto-confiança integrados em um contexto maior, o Eu Superior.
"No momento em que a consciência pura (o self pessoal) desapega-se dos elementos psicológicos comuns (...) ela tem a tendência de ascender espontaneamente à sua origem (O Self Transpessoal)" (Ferrucci, 1999:76).
Ao nos desidentificarmos, podemos aumentar o sentido de Self e criar consciência de que existe um centro unificador de grande poder criativo.
Uma das funções centrais do Self é a Vontade, uma "força construtiva que guia intuição, impulso, emoção, sensação, imaginação e pensamento em direção de objetivos imediatos ou transcendentes. É por meio da função da Vontade que o Self pode coordenar, integrar e direcionar as nossas metas e propósitos" (Boccalandro, 1998: 67).
A mesma autora afirma que a Vontade é nosso sentido de auto-determinação, de querer, de poder de escolha. É diferente do desejo, que é mais ligado aos impulsos instintivos e à emoção do eu pessoal.
De acordo com Boccalandro (1998), para a realização plena da Vontade, alguns aspectos devem ser desenvolvidos:
- a Vontade forte: que é a força de vontade, o poder e a energia que dão início e andamento aos projetos;
- a Vontade hábil: que é a percepção da melhor estratégia, a mais adaptada, em que economizaremos energia e direcionaremos os projetos da forma mais direta e eficaz;
- a Vontade boa: que está relacionada à interação com os outros seres, quando os objetivos individuais se ajustam a um círculo mais amplo e se harmonizam com o bem comum;
- a Vontade Transpessoal: é aquele sentimento de "chamado", que traz um sentido mais amplo e transcendente às necessidades básicas e pessoais.
Ainda segundo Boccalandro (1998), Assagioli aponta que a Vontade tem qualidades que devem ser desenvolvidas. Ela deve "ser enérgica, disciplinada, concentrada, determinada, persistente, corajosa e organizada" (p.71) e se desenvolve em estágios.
Através do desenvolvimento consciente da Vontade, a percepção do Self Transpessoal se amplia, e a auto-identificação com o Eu Superior auxilia na construção de "uma nova personalidade mais coerente, organizada e unificada" (Boccalandro, 1998: 75).
Para ela, esse é o processo de "Psicossíntese Transpessoal".

ANÁLISE PSICOSSÍNTÉTICA DO PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO DE RENATO:
A partir da bibliografia (Boccalandro, 2003), o Transtorno do Pânico vivenciado por Renato se manifesta pelas seguintes sintomatologias:
- Falta de ar, respiração difícil que não satisfaz;
- Tonturas;
- Sensação gelada;
- Aceleração dos batimentos cardíacos;
- Ansiedade;
- Medo;
- Medo da Morte, sensação de risco de vida;
- Medo de ficar louco.

Inicialmente, Renato relatava sentir muito sofrimento ao vivenciar a crise como também ao aguardar o seu surgimento, além de uma incapacidade de poder evitá-la. Para Boccalandro (2003), o trabalho psicoterápico dentro da Psicossíntese tem como princípio ver o Homem como fundamentalmente saudável, sendo a doença um mau funcionamento temporário, além de ver o Homem como uma totalidade que tem que se organizar em torno de um Self. O procedimento psicoterapêutico utilizado foi desenvolvido de acordo com esse princípio. Renato sempre se mostrou muito interessado e comprometido com o tratamento, tanto medicamentoso como psicoterápico. Tal postura se confirmava e se ampliava ao longo das sessões. Cabe lembrar aqui da quinta sessão, quando Renato investigou a sala, se apropriando mais do seu espaço. A visão Transpessoal da psicoterapia releva a importância de desenvolver uma "percepção capaz de curar". Para Vaughan (1997), a "percepção que cura" deve ser desenvolvida em cada nível da consciência: físico, mental, emocional, existencial e espiritual. Dentre esses níveis, aspectos como: a comunicação verdadeira das emoções, a predisposição para enfrentar o medo, a aceitação dos sentimentos verdadeiros, o reconhecimento dos lados positivos e negativos e sua conseqüente integração em uma unidade; ajudam o indivíduo a assumir a responsabilidade de sua melhora em um contexto mais equilibrado. No caso de Renato, deve-se ressaltar que seu primeiro passo rumo ao equilíbrio foi em ter reconhecido que algo não estava indo bem e que sua mente e seu corpo poderiam se modificar. As primeiras questões que foram sendo trabalhadas com Renato diziam respeito a sua sintomatologia corporal. Através de seus relatos, foi-se percebendo que esses sintomas remetiam-se ao passado e a uma dificuldade de relacionar-se com as pessoas no contexto familiar e profissional. A partir daí, as diversas Subpersonalidades de Renato, pelo menos as que pareciam ser as mais marcantes e acabavam por reger seu comportamento, começaram a ser conscientizadas. São elas: a subpersonalidade do Medroso, que parece ser insuperável; do Culpado, que é relacionada ao seu passado de erros e traição; a do Errado, o que gera a perda e a sensação de não poder viver a altura do seu próprio potencial; do Perfeccionista, para ser aceito e para que o outro não retire seu amor sobre ele e que ele não se sinta rejeitado; do Responsável, que tem que dar conta de tudo e de todos para ser visto de uma forma diferente da que era visto no passado. Todas essas subpersonalidades estão, de alguma forma, inter-relacionadas. Algumas existem para compensar outras, como a do Responsável e do Perfeccionista para compensar a do Errado e a do Culpado. Durante o trabalho psicoterapêutico, percebeu-se que essas subpersonalidades acabavam por, inconscientemente, atuar em Renato através do corpo, por meio dos sintomas da crise de Pânico. Para trabalhar com isso, foi sendo desenvolvido um trabalho de conscientização corporal de modo que a sua Identificação com o corpo fosse analisada e superada. Renato começou a desenvolver essa consciência a partir dos exercícios de Respiração. Esses exercícios eram iniciados a partir da idéia de que Renato ouvisse e prestasse atenção a cada parte do seu corpo, que atentasse à sua respiração e aos batimentos cardíacos. A intenção de desenvolver essa percepção corporal ia de encontro com o princípio da Psicossíntese de que o indivíduo tenha uma noção da sua totalidade física. Com esses exercícios, Renato começou a relatar o quão esquecido estava da sua respiração, dos caminhos que o ar percorre no seu interior. Renato revelou melhoras nos sintomas, diminuição das crises e, além disso, a possibilidade de trabalhar com esse dispositivo no seu cotidiano, como quando respirava no ônibus, por exemplo. Depois desse primeiro contato com a consciência corporal, Renato foi mostrando abertura em trabalhar de formas diversas com as problemáticas que trazia. Sempre tendo em vista a importância de trabalhar com a desidentificação das subpersonalidades de Renato, suas queixas eram direcionadas a um campo onde sua espontaneidade e criatividade pudessem atuar, trazendo novos conteúdos sobre os sintomas. Os exercícios de Psicodrama, os desenhos e a imaginação semi-dirigida, mostraram ser muito bem aceitos por Renato. Nas dramatizações, Renato protagonizou de forma criativa diversos conflitos. Através delas, foi útil Renato ter podido tomar a posição do outro e representar seu lado oposto. Em uma dramatização, Renato e a terapeuta puderam testemunhar o aparecimento da Subpersonalidade do Errado, por exemplo. Foi quando Renato dialogou com essa subpersonalidade e percebeu as limitações a que se submetia. Espontaneamente, Renato se conscientizou das qualidades inerentes dessa subpersonalidade que estavam esquecidas. Outra dramatização possibilitou que Renato fosse se aprofundando na sensação do medo e da sufocação das crises, o que favoreceu a tomada de consciência de que tais sintomas diziam respeito a um passado culposo, de muita angústia, que se fazia presente no tratamento com sua ex-esposa em relação ao filho. Nesses momentos, Renato se conscientizou que a sensação de ter perdido possibilidades e oportunidades na sua vida - como a de ter sido um bom pai - a ansiedade que ainda sente diante das responsabilidades que esse passado trouxe para sua vida e as cobranças a que se submete para viver corretamente, estão enraizadas na formação dessas subpersonalidades tão cristalizadas na sua personalidade. Renato também pode perceber que só ele mesmo poderia modificar esses padrões de comportamento, ampliando as possibilidades de diálogo para um contexto cotidiano com as pessoas que o cercam na família, no trabalho, bem como com sua terapeuta. Alguns desenhos revelaram a existência de subpersonalidades compensatórias, aquelas que ajudam Renato a viver melhor na presença das outras. O caso do desenho do Garfield representar um lado mais bem humorado e adaptado às situações conflitantes - tão admirado por Renato, que carrega em si uma tatuagem desse personagem - demonstra quais os caminhos que Renato percorre para se manter alegre diante das crises e encontrar a paz que tanto almejava. Os exercícios de imaginação semi-dirigida - em que o terapeuta dá instruções para a vivência além de deixar espaço para a imaginação do cliente fluir - também complementaram esse trabalho e favoreceram a abertura de novas sensações e percepções sobre o seu estado corporal, emocional, mental e espiritual. Em uma das sessões, Renato mostra estar desenvolvendo todos esses estados. Está se tratando com a medicação e volta a praticar seu esporte favorito quando tem tempo (corporal); fala da importância do tratamento terapêutico na sua vida e as mudanças que tem percebido (emocional); conta que volta a estudar (mental); e que se identifica com o poder de cura das religiões e do lugar sagrado das Igrejas e Templos (espiritual). O exercício de imaginação semi-dirigida do Jardim Interno (Boccalandro, 2002) revelou a entrada de Renato nos conteúdos do inconsciente e sua vivência a partir deles, devido ao processo terapêutico. Isso permitiu que Renato fosse desenvolvendo cada vez mais sua totalidade. Ao longo das sessões, Renato foi trazendo novas subpersonalidades que auxiliavam no desapego das outras: a do Discernimento, ligada às características do psicoterapeuta e do médico; a do Humorado, relacionada ao gato Garfield que consegue se dar bem nos problemas devido ao seu senso de Humor; e a do Vitorioso, quando ele se dá conta das mudanças que ele mesmo está provocando na sua vida. O trabalho de ampliação de consciência através do reconhecimento das subpersonalidades proporcionou a mudança na sintomatologia de Renato e o desenvolvimento da mais importante subpersonalidade: a do Corajoso em oposição a do Medroso. O desenvolvimento de uma subpersonalidade que carrega uma energia positiva nova gerou em Renato a disposição em, ao invés de se lamentar sobre os acontecimentos passados como fazia anteriormente, poder começar a ver de que modo as escolhas do passado contribuíram para as circunstâncias atuais, aprendendo a se perdoar, a aceitar a existência da morte e a voltar a sua atenção não só para a crise, mas para si mesmo. Junto dessas mudanças também foi trabalhado o desenvolvimento e integração da sua Vontade. Através de seus relatos, foi-se percebendo que a Vontade existia em Renato, mas que precisava ser trabalhada na sua totalidade. Isso porque, um dos aspectos em que a Vontade se manifestou, foi a importância em voltar a estudar. Renato conta que queria voltar a estudar para poder ensinar os filhos e arrumar um emprego melhor. Do ponto de vista da Psicossíntese, Renato demonstra aí ter desenvolvida a Vontade forte, de ter o movimento para poder voltar a estudar; a Vontade Boa, que vai de acordo com a sua individualidade, além de ser altruísta; e a Vontade Transpessoal, que leva em consideração o outro e um sentido na vida que ultrapassa suas necessidades básicas e pessoais. Porém, percebeu-se que para fazer a sua Vontade atuar de forma bem adaptada, faltava Renato desenvolver uma Vontade Hábil, para poder encontrar caminhos melhores para o seu desenvolvimento, pois ao voltar a estudar, Renato se queixava em não ter mais tempo para ficar com os filhos, ter que faltar na aula para trabalhar, e se sentir desgastado nos diversos períodos do dia, pois já não dormia em tempo suficiente. Outra questão que foi trabalhada, é a que diz respeito a sua agressividade, pois o que vinha sendo revelado através de conteúdos oníricos é que Renato apresentava uma raiva contida que precisava ser extravasada para que pudesse lidar de uma melhor forma com o seu medo da Morte. Todas essas questões foram trabalhadas psicoterapeuticamente de acordo com o princípio da Psicossíntese, de poder aplicar metodicamente técnicas psicológicas determinadas a restabelecer o equilíbrio emocional de Renato, trabalhando com a harmonização das dualidades da sua personalidade, integrando essas contradições aparentes e ajudando no conhecimento do seu próprio ser ao fazer uso do seu potencial ainda não desenvolvido. A psicoterapia também visou ajudar Renato a liberar as energias do Inconsciente Superior, integrando e sintetizando o seu eu pessoal (ego), para que daí, pudesse ser efetuada a aproximação do seu ego pessoal com o Self Transpessoal. Com o tempo, Renato foi demonstrando, através da sua postura corporal, estar desenvolvendo equilíbrio psíquico. Para realizar os exercícios de imaginação, Renato já não ficava mais sentado ou deitado com o corpo torto na cama, mas com uma postura reta que promovia um fluxo sem desvios. Esse fato revela que Renato pode desenvolver uma postura de estar mais inteiro e de ter atitudes mais corretas na vida. No início do ano de 2005, Renato recebe alta do tratamento medicamentoso por já estar demonstrando o desejo de ficar sem o remédio. Além do mais, relatou não ter tido crises no período em que esteve sem medicação, ao mesmo tempo que revelou seu desejo em continuar o tratamento psicoterápico. No momento, foi encaminhado para o consultório particular da psicoterapeuta que o atendeu na Clínica da PUC-SP. ***
Esse relato analítico de caso clínico pode situar os leitores sobre as diversas formas de trabalhar com o Transtorno do Pânico além de difundir a importância de desenvolver um olhar clínico que atenda às dimensões Superiores, tão reais e significativas ao desenvolvimento saudável da consciência humana. Percebe-se, assim, que o tratamento psicoterapêutico e medicamentoso que acompanhou Renato, mostrou sua viabilidade e eficiência através das mudanças significativas obtidas com relação ao seu trabalho, estudo, sociabilidade, família, enfrentamento e superação das crises, otimismo, relação afetiva e de confiança entre terapeuta-cliente, o que favoreceu o desenvolvimento do Amor a si mesmo e ao seu potencial, e na extensão ao mundo a sua volta. Tal transformação se estendeu para a formação de uma personalidade mais coerente, organizada e unificada, uma vez que aqueles potenciais ocultos que apareciam na forma de sintoma foram trazidos à consciência e puderam se integrar em torno de um eixo mais consciente. Essa passagem na vida de Renato pode ter desenvolvido em si uma identificação com seu verdadeiro Eu Superior, o Self Transpessoal, pois esses momentos permitiram que Renato pudesse aprender a se responsabilizar pela sua experiência pessoal e assumir sua participação criativa como um agente de cura consciente na sua própria vida. Certamente, seu processo de Psicossíntese Transpessoal continuará ...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BOCCALANDRO, M.P.R. (1998). A Psicossíntese e a Abordagem Holística. Boletim Clínico - Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic. Vol. IV - agosto - pp. 59-77. Gráfica da PUC-SP.
____________________. (2002). Sob o Domínio de Pã (nico): um estudo do transtorno do Pânico através da Psicossíntese. São Paulo. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) - Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
FERRUCCI, P. (1999). O que podemos vir a ser. São Paulo. Totalidade Editora.
PARFITT, Will. (1994). Elementos de Psicossíntese. Rio de Janeiro. Ed. Ediouro.
VAUGHAN, F. (1997). Novas Dimensões da Cura Espiritual. São Paulo. Cultrix.