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BOLETIM CLÍNICO - número 18 - setembro/2004

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos



14. O Adolescente Jovem na Sociedade Contemporânea: Presença/Ausência dos Dinamismos Matriarcal/Patriarcal na Consciência. Uma Adolescente e a Vivência de Separação dos Pais.

Cliente: F.
Sexo: F
Estado Civil: solteira
Idade: 19 anos
Grau de Instrução: ensino médio completo
Atividade profissional: estudante.

F. é uma jovem que atualmente tem 19 anos. Com relação ao núcleo familiar, seus pais são separados, e ela mora atualmente com a mãe, o irmão mais velho (23), sua mulher e filho. A irmã (17), que morava com ela no primeiro ano de atendimento, saiu de casa para morar com o namorado.

Durante os dois anos de processo terapêutico, trabalhamos muito a questão da separação dos pais, que aconteceu quando ela tinha 12 anos. Segundo F., isso aconteceu devido a uma traição de seu pai, que se separou para ficar com a amante. Esse fato era constantemente ressaltado pela mãe, que se submeteu a continuar cozinhando e lavando suas roupas, falando inclusive para os filhos detalhes que marcaram profundamente a experiência de vida da paciente: "Minha mãe lavava as cuecas do meu pai todas gozadas da S. (amante), porque se minha mãe não lavasse ele não dava o dinheiro da pensão".

Durante o processo, trabalhamos bem essa questão, já que F. seguiu esse padrão de comportamento submisso em sua primeira experiência sexual, e tinha medo de dizer não a tudo que lhe pediam, com medo de perder o afeto do parceiro. É um modelo feminino de servir ao outro.

Com relação ao seu pai, na época da separação ela diz ter se sentido "traída e ignorada" por ele, pois um pouco antes dele sair de casa, quando E. perguntou o que aconteceria, ele prometeu que nada mudaria, ou seja, mentiu. Também se sentiu abandonada pelo pai, pois ela era muito grudada nele. Relata que nos finais de semana era com ele que ela passava a maior parte do tempo. Quando ele foi embora ela se afastou dele, e nem queria mais vê-lo. Até hoje eles têm pouco contato se falando em média uma vez por semana por telefone, e se vendo muito raramente. Ela também nunca conseguiu conversar com o pai seriamente sobre os motivos do divórcio, o que gerava nela fantasias e muitas dúvidas.

Tudo isso influenciou seu relacionamento amoroso negativamente: ela é bastante insegura e dependente emocionalmente do namorado. Ainda tem muito ciúme dele, com medo constante de perde-lo. Discutimos o quanto é difícil confiar em alguém com a vivência que teve de traição em casa. Além disso, a vivência do abandono pelo pai faz com que entre em pânico quando se sente abandonada pelo namorado, em situações em que ele, por exemplo, simplesmente atrasou para buscá-la.

Este namorado, por sua vez, exerce uma influência muito forte sobre F. A opinião dele é tão importante, que muitas vezes é impossível diferenciar o que ela pensa e o que ele disse pra ela. Ele exerce um papel de pai, muitas vezes de um pai severo, que dá até lição de moral e faz muitas exigências. Isso faz com que ela tenha medo constante, e se esforce para mostrar-lhe apenas seu lado bom.

No que diz respeito a sua mãe, uma das coisas que a incomodava muito era o fato de sua mãe beber quase todas as noites. F. demonstra ter muito afeto pela mãe, e dificilmente consegue admitir sua insatisfação em relação à mãe. A paciente muitas vezes parece mais mãe do que filha, tomando conta da mãe, se preocupando com a hora que ela chega, dando bronca quando a mãe chega bêbada, e até interferindo na sua relação amorosa, quando o namorado da mãe bate nela, por exemplo.

F. trabalha e praticamente todo seu dinheiro vai para as despesas da casa. Isso a irritava muito, porque a mãe não contribuía; porque o pouco que ganhava gastava com bebida. Além disso, trazia o namorado para casa, que também não contribuía. A cunhada a mesma coisa, ou seja, só ela e o irmão gastavam seu próprio dinheiro no sustento da casa. Porém, ela não consegue "abrir mão" dessas despesas, e nem assumir sua insatisfação. Assim, ao longo do ano ela "desenvolve" doenças psicossomáticas que acabam impedindo-a de trabalhar.

Este foi provavelmente o assunto mais trabalhado durante o processo. De um modo geral, ela acabava se "boicotando" de várias formas para não trabalhar. Como sabia que o seu dinheiro iria todo para as despesas da casa, tentava inconscientemente, inviabilizar este trabalho: teve vários problemas de saúde durante o ano (alergias, diarréia, dores gástricas, taquicardia, tendinite nas duas pernas, etc) e tinha atitudes com relação aos outros funcionários que poderiam fazer com que a despedissem.

Dessa forma, pode-se perceber que F. assimilou um modelo feminino desvalorizado, de submissão, que não se coloca para ser amada. Enquanto isso, o masculino é aquele que trai e abandona. Assim, ela parece repetir o padrão de relação de seus pais com seu namorado.

A partir disso, vamos agora discutir um pouco como o dinamismo matriarcal e patriarcal, que parecem estar constantemente em conflito em sua personalidade. Parece que F. ainda não conseguiu sair do dinamismo matriarcal. Na verdade, acredito que, na ausência do pai verdadeiro, o namorado acabou sendo responsável pela postulação da lei, mas apenas de forma externa. Parece que o dinamismo patriarcal em si não tenha sido integrado na sua consciência.

Quando seu pai saiu de casa, F. se desorienta e vive seguindo apenas o princípio do prazer - o dinamismo matriarcal. Tinha relações sexuais com quem bem entendesse, usava drogas, não tinha hora para chegar em casa, não trabalhava, não era muito estudiosa, enfim, parecia não reger-se pela lei patriarcal.

Quando começa a namorar, o namorado parece ser quem traz lei e ordem. Para F. é ele que coloca para ela sempre o que acredita ser certo ou errado. Com medo de perder esse amor, ela acaba "obedecendo" e sempre concordando com tudo o que ele pensa. Mas assim, não se permite errar, chorar, desejar, porque sempre que faz algo, ele a repreende.

Por exemplo, quando ela chora, ele diz pra ela ser mais madura, quando ela perde a prova do vestibular, ele fala que ela não luta pelas coisas que ela quer. Por ter tido relações sexuais somente por prazer, tem uma autocrítica muito forte, considerando-se promíscua e não merecedora do amor dele. Se ela resolve tirar férias, descansar, dormir até tarde, ou seja, atender às demandas matriarcais, vem a culpa, porque o certo é trabalhar, para juntar dinheiro para as despesas da casa, como se tivesse que ser a provedora, a protetora da mãe, etc. Mas se trabalha, acaba não sobrando dinheiro para ela gastar consigo mesma, então surgem as doenças, e assim por diante.

Claro que existem algumas regras sociais a serem seguidas, mas é importante não abdicar totalmente dos instintos e do prazer. E embora se esforce para passar a imagem de filha e namorada perfeita, que trabalha, que é comportada, certinha, pode-se perceber através de atitudes e de vários sonhos que ela está o tempo todo tentando reprimir esse lado mais primitivo, não obtendo sucesso. Naturalmente esse seu lado reprimido se manifestou diversas vezes, através de doenças psicossomáticas. Quando a Grande Mãe se revolta, não tem como fugir.

Assim, ela acaba sendo inadequada para os outros, principalmente para o namorado, quando perde o emprego, quando não passa no vestibular, quando não tem dinheiro para ajudar em casa, e principalmente quando conta que teve nove relações sexuais por prazer e sentiu-se promíscua, não merecedora do amor do namorado. Mas também inadequada para si mesma, já que não consegue uma diferenciação entre o que é dela e o que é dele, não consegue assumir seus desejos e vontades, sentindo-se culpada quando consegue ter prazer de, por exemplo, passar uma tarde inteira simplesmente lendo um livro.

Nessa confusão toda ela não consegue nem mesmo ter consciência do que ela realmente quer, e manter um equilíbrio entre o princípio do prazer e o da realidade, entre os dinamismos matriarcal e patriarcal.

Dessa forma, é necessário trabalhar mais a fundo essa falta de diferenciação, essa culpa e medo de perder o amor do outro por ser quem é. De algum jeito, é preciso que o dinamismo patriarcal se desenvolva de forma sadia na sua consciência. Por fim, ela precisa acima de tudo se descobrir e assumir seus próprios desejos sem culpa, e a partir daí decidir por si mesma, o que é certo e errado para ela, para que possa resolver este conflito interno.