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BOLETIM CLÍNICO - número 17 - Maio/2004

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


6. Direito de Resposta - Psicologia Analítica - Eloísa Marques Damasco Penna(1)

Primeiramente eu gostaria, em nome da equipe de professores de Psicologia Analítica, de agradecer o convite do PET para participar do direito de resposta.

O primeiro grupo de perguntas vem da equipe de psicologia sócio-histórica. Eu vou ler as perguntas:

1) “Para a sócio-histórica, não há nenhum elemento do campo psíquico que seja universal. Para a psicologia analítica, são os arquétipos naturais e universais do psiquismo humano?”

2) “O psiquismo humano para a psicologia sócio-histórica é construído a partir de relações construídas pelo homem para a produção da sua realidade objetiva e concreta. Qual é o papel da historia da humanidade na constituição do ser humano, para a psicologia analítica?”

Essas duas perguntas podem ser respondidas juntas, pois elas se relacionam.

Quanto à 1a pergunta, para dar uma resposta curta e sucinta, eu diria sim, ou seja, os arquétipos fazem parte da constituição psíquica do ser humano no plano coletivo e inconsciente.

A segunda pergunta diz respeito ao papel da história na constituição do ser humano. Para falar sobre isso acho importante antes falar sobre a concepção de ser humano da psicologia analítica.

O ser humano é considerado uma totalidade constituída por vários fatores. Um ser altamente complexo que não pode ser definido, nem esgotado numa vertente ou por uma de suas facetas. Essa totalidade é um entrelaçamento portanto de vários fatores. O termo que exprime essa totalidade – diversidade é eco-bio-psíquico-social. Eco refere-se ao ambiente, no sentido que o ser humano está inserido num ambiente, viver num ambiente é inerente ao ser humano, por ambiente entende-se tanto o aspecto da natureza como sócio-econômico e político; bio refere-se ao aspecto biológico do ser que diz respeito ao corpo humano e seus padrões de funcionamento; social é o caráter gregário típico do ser humano de se constituir a partir de relações interpessoais, desde as mais próximas (família) até as mais abrangentes (culturais).

O aspecto psíquico inclui consciente e inconsciente com elementos pessoais e coletivos. A totalidade que chamamos de indivíduo é uma resultante do entrelaçamento dinâmico de todas essas vertentes não sendo possível isolar qualquer uma dessas variáveis (biológica, ambiental, psíquica e social), pois, todas elas interagem constantemente no indivíduo e têm importância equivalente.

Voltando, um pouco, à 1a pergunta volto a dizer que os arquétipos fazem parte da constituição humana de modo mais intrínseco e coletivo assim como a constituição biológica que define o ser como humano. Ambos são elementos naturais que se apresentam como potenciais e, na interação com os outros elementos, vão se atualizando e realizando individualmente.

Pergunta de aluna: São naturais porque o ser humano nasce com eles ou são como potencialidades?

Como você vê a diferença entre nascer com e potencialidade?

Aluna: Nascer com é nascer com isso já pronto.

Pense biologicamente, não nascemos prontos, nascemos com potencialidades que se desenvolvem. Num embrião, os componentes coletivos são proporcionalmente muito maiores do que os individuais. Fazendo uma transposição para o campo psíquico, ao nascermos temos muitas potencialidades que podem ou não ser desenvolvidas ao longo da vida dependendo de nossas experiências, do ambiente e das escolhas que fazemos. Essas potencialidades psíquicas são chamadas arquétipos pela psicologia analítica. Assim como há os componentes biológicos do ser humano que são naturais, universais e inatos, os quais vão sofrer transformações e desenvolvimento na vida, no psiquismo também há elementos naturais, universais e inatos que definem o ser humano psicologicamente – esses são os arquétipos.

Esses elementos, no processo de individuação, isto é, no processo de vida que cada ser humano vive, vão seguir um caminho de progressiva e constantemente tornar este ser individual. Ser um indivíduo é ser único a partir do típico. Nesse processo o ambiente natural e social terá grande influência, assim como o aspecto biológico e psíquico. O papel da história se insere neste ponto, pois o contexto sócio-cultural de cada indivíduo tem participação ativa na atualização dos potenciais arquetípicos. O ser humano é um ser essencialmente histórico sendo simultaneamente produto e produtor de cultura. A cultura é uma manifestação tipicamente humana, pelo menos ao que se conhece até hoje sobre cultura.

Na psicologia analítica tanto a história da humanidade como a história do indivíduo é muito importante. A consciência é necessariamente histórica, uma de suas principais características, pois a consciência funciona na dimensão espaço-temporal, portanto o contexto sócio-histórico, cultural e geográfico é o contexto da consciência.

Jung, ao longo de sua vida e de sua obra, afirma e reafirma a base kantiana de seu pensamento, mas é através dos neo-kantianos, principalmente Hegel, que ele vai encontrar apoio para a questão histórica do conhecimento. Há uma frase de Jung que expressa bem isso: “A consciência é um precipitado da evolução humana, um fato contingente da psique modelado pelo tempo e relacionado com as condições históricas”. A consciência é um dado secundário, resultante e não a priori. Ela é produto do potencial arquetípico entrelaçado com o ambiente em que ela vive, resultante das condições sócio-histórico-culturais em que vive e assim vai ser formando o individuo humano. Não há ser humano sem mundo. Os aspectos arquetípicos não se expressam fora dessas circunstancias. O ser humano é um ser que vive no mundo, é nas circunstâncias desse mundo fenomenológico existencial que os padrões arquetípicos se atualizam. Não se pode falar nem de determinismo pelo fator arquetípico, nem pelo fator histórico ou ambiental. O individuo humano é forjado por vias multifatoriais: fatores ambientais, biológicos, sociais, históricos e arquetípicos.

Agora podemos passar para a 3a pergunta, enviada pelo professor Franklin da equipe de psicanálise:

3) “Os arquétipos para Jung constituem um ‘patrimônio hereditário’ da humanidade, ou sua transmissão de geração para geração se apoiaria também ou exclusivamente em outro fator?”

Considero essa questão muito importante e oportuna, dando prosseguimento ao que vínhamos falando sobre arquétipos.

O termo ‘patrimônio hereditário’ causou muita polêmica e não é mais utilizada pelos junguianos. Aliás, o próprio Jung a substituiu. Vou explicar.

A conceituação de arquetipo na obra de Jung levou uns 40 anos para ser definida. Em 1912 ele fala pela primeira vez em “inconsciente mitológico” para designar aspectos do inconsciente que são comuns aos humanos e independem da história pessoal. Em 1919 ele fala pela primeira vez em arquétipos referindo-se a fantasias primordiais (as proto-fantasias a que Freud se referia). Esse conceito tem uma base estritamente empírica, resultante da observação feita no hospital psiquiátrico da universidade de Zurique. Nessa observação ele percebe certas “coisas”que não podem ser explicadas pela vida pessoal do indivíduo; “coisas”, ou elementos semelhantes que se repetem nas pessoas chamou a atenção de Jung e ele começou a investigá-las. Começa a estudar o conteúdo dos delírios, visões e fantasias dos pacientes, depois das pessoas em geral; associa com material mitológico e religioso; faz pesquisas antropológicas, e assim aos poucos ele vai chegar ao conceito de arquétipo cogitando a existência de conteúdos inconscientes que não se relacionam à vida pessoal, conteúdos que teriam outra origem, além da história pessoal do indivíduo. Inicialmente ele realmente fala em “herança inconsciente”, provavelmente em razão da dificuldade de nomear o fenômeno observado.

Então voltando à pergunta do prof. Franklin, de fato inicialmente ele usa o termo hereditário para explicar os arquétipos. Mais tarde no entanto, Jung vai falar em componentes inatos do psiquismo, ou seja, como algo inerente à psique. Como disse anteriormente, trata-se de aspectos com os quais nascemos, não sendo adquiridos. A parte arquetípica do psiquismo não é adquirida ela faz parte do ser humano. Da mesma forma que a parte do corpo biológico que define universalmente o ser humano não é adquirido, sendo-lhe inerente. Há evidentemente aspectos que são herdados e outros que são adquiridos pela experiência. Tudo que é tipicamente humano, do ponto de vista psíquico, diz respeito ao plano arquetípico. Por exemplo, o instinto gregário tem uma base arquetípica e a forma como as relações sociais se efetivam ao longo da história são influenciadas por um lado pelo aspecto arquetípico e por outro, pelo ambiente sócio-cultural.

Resumindo o arquetipo não é propriamente transmitido de geração em geração, ele é primário, inato do psiquismo.

Por enquanto estamos tratando de questões ontológicas que dizem respeito à concepção do ser que na psicologia analítica inclui a noção de realidade psíquica. O psiquismo como uma realidade humana, ou melhor, a realidade psíquica como a realidade em que o humano vive. Passamos assim às questões epistemológicas da psicologia analítica.

Jung traz uma concepção nova a esse respeito. Os articuladores e estudiosos da filosofia da ciência consideram que, na definição de ciência pós-moderna, a concepção de realidade psíquica proposta por Jung teria sido uma mudança de rumo na psicologia, pois confere à psique o estatuto de realidade empírica, sendo o fenômeno psíquico um fenômeno empírico. Resumidamente a realidade psíquica para Jung seria a síntese da realidade física com a espiritual. Para Jung a realidade psíquica é uma realidade viva e não apenas material. A realidade não é dada exclusivamente pelo produto do comportamento concreto e objetivo, nem pela formula ideal, mas pela combinação de ambos pelo processo psicológico vivo. Nessa concepção de realidade psíquica não há mais a dicotomia entre mundo externo e mundo interno, ambos formando uma unidade – totalidade viva. Para Jung à visão idealista falta a realidade tangível e, à visão materialista falta o espírito (Jung, C. G. vol.6). Jung discorre longamente sobre essa questão em seu livro Tipos Psicológicos, quem tiver interesse de se aprofundar pode procurar nesse texto a superação da dicotomia idealismo – materialismo.

Pergunta aluna: eu gostaria de saber se dá para fazer um paralelo entre função superior e inferior?

Isso é uma outra coisa. No mesmo livro – “Tipos Psicológicos” – Jung faz também um longo estudo sobre as teorias filosóficas, literárias e científicas, abordando as diferenças das teorias como sendo pontos de vista diferentes na abordagem dos fenômenos estudados (extrovertido/introvertido; pensamento/ sentimento; etc.). A produção humana é em primeira instância a produção de um ser humano e que vai ter as características de seu autor, isto é, apresenta o ponto de vista desse autor. Por outro lado, essas produções adquirem um valor que lhes confere o estatuto artístico ou científico de acordo com a comunidade que as partilha. Esse valor tem caráter simbólico respondendo à consciência coletiva da época. Essa ressonância coletiva podemos observar, tem também uma tipologia.

O que Jung propõe é que se pode ter pontos de vista diferentes sobre um mesmo fenômeno, sendo esta diversidade muito importante. Os paradigmas pós-modernos apontam para esse aspecto da diversidade do conhecimento. O ponto de vista extrovertido difere do ponto de vista introvertido, por exemplo. Esses pontos de vista são expressos pela consciência conhecedora e são sempre parciais, isto é, não dá para se ter uma visão plena, isso é impossível para o ser humano, portanto o que é possível é o conhecimento parcial e circunstancial, que depende de pontos de vista, formas de abordagem dos fenômenos.

Jung propõe que se possa juntar vários pontos de vista. Desde o começo de sua vida ele tenta juntar a perspectiva da medicina com a perspectiva histórica, antropológica, artística, etc. Esta é a base da interdisciplinaridade e Jung é um dos precursores do trabalho interdisciplinar. Para ele o conhecimento da psique humana não é possível apenas pela medicina (sua formação). A tipologia foi então uma das formas que Jung estudou e encontrou para explicar e compreender diferentes visões e maneiras de pensar.

Pergunta aluna: Se é inerente ao homem a cultura, viver em sociedade, a história do Tarzan, ele morreria, ele falar é balela?

Não entendi sua pergunta. Que aspecto da história do Tarzan você está se referindo?

Aluna: Ele vive na selva... sem contato nenhum com ser humano desde bebê, se é inerente ao ser humano viver em sociedade, na verdade ele morreria? Porque na história ele vive?

Acho que deveríamos olhar por um outro lado. Esse tema do menino Lobo, do menino Tarzan é recorrente na mitologia e nos contos de fadas. Diz respeito à sobrevivência e ao drama heróico da sobrevivência. Não devemos encarar esses materiais ao pé da letra, mas sim simbolicamente. O tema da sobrevivência na selva entre seres não humanos fala de uma fase do desenvolvimento pré-verbal, anterior à linguagem, o ambiente em que o herói se encontra é da natureza primordial, refere-se ao domínio matriarcal, da natureza e o desenvolvimento do indivíduo humano a partir da natureza que simboliza o inconsciente. A recorrência deste tema em produções culturais nos aponta sua importância simbólica seu significado. A existência de alguns fenômenos a gente não discute apenas tenta compreende-los. Não se pode negar a existência dos fenômenos só porque não os entendemos. Voltando à sua pergunta. A existência de cultura, sociedade e história é inegável. Por outro lado a existência da mitologia, dos contos de fadas e do folclore também é inegável.

Portanto não podemos qualificá-los de “balela”, eles tem um sentido e uma função. A explicação que se dá para tais fenômenos, como já disse anteriormente, vai depender do ponto de vista do qual se parte. A psicologia analítica considera que as produções humanas têm um significado simbólico. O antropólogo e filósofo Ernst Cassirer dis que a única forma de conhecermos o ser humano é através de suas manifestações, da produção humana, as quais devem ser consideradas simbólicas. Na psicologia analítica, do ponto de vista epistemológico, a possibilidade de conhecimento se dá pelas manifestações humanas. O inconsciente não pode ser conhecido diretamente, mas pode ser conhecido por suas manifestações. Todas as manifestações humanas (arte, religião, ciência, filosofia, mitologia, etc)

São simbólicas e arquetípicas permeadas de conteúdos inconscientes contextualizados numa dimensão histórica.

Pergunta Aluna: Onde está a linguagem nisso?

A linguagem é uma das formas de manifestação humana, mas não é a única. Se considerarmos o inconsciente coletivo como um dado a priori, e o único dado a priori do psiquismo, contendo todos os potenciais humanos: o potencial para linguagem é um deles. No entanto só podemos perceber um potencial quando ele se manifesta. Inconsciente quer dizer “desconhecido”, por isso só temos notícia dele depois que se manifesta. É assim que devemos considerar a linguagem.

Para Jung é o símbolo que faz a conexão consciente-inconsciente, faz a síntese inconsciente-mundo. O símbolo é uma manifestação natural do ser humano, portanto não se discute capacidade de simbolização, da mesma forma que não se discute, por exemplo, capacidade de respiração ou vocalização, são coisas naturais e inerentes ao humano.

4) Pergunta da Profa. Ida Cardinali (Fenomenologia): a individuação pode ser compreendida como um processo de desenvolvimento do ser humano em direção ao que é mais próprio peculiar em cada pessoa. Na psicoterapia, como a abordagem junguiana concilia a individualidade de cada paciente com as definições e explicações teóricas sobre o homem?

Essa pergunta é interessante e dá a oportunidade de discutir teoria e prática clínica.

O processo de individuação é um processo contínuo em direção à complexidade e individualidade, que leva cada um de nós a se tornar mais único e mais diferente dos outros. A meta da individuação é cada um se tornar cada vez mais ele mesmo, isto é, um ser peculiar, que na dasein-análise equivale à aproximação da essência. Isto, no entanto é uma meta jamais alcançada plenamente, mas é a busca de todo ser humano, a troca dialética entre o ego consciente e o si-mesmo inconsciente. O si-mesmo (self), na psicologia analítica é o arquétipo que contém o potencial para a individualidade.

É fato que somos indivíduos. É fato que cada ser humano tem uma tendência e uma capacidade de ser único. Por diversos caminhos, motivos e finalidades nós caminhamos para uma crescente individualidade ao longo de nossas vidas. É fato também que, a par essa individualidade, num certo âmbito, somos todos iguais e nos reconhecemos como humano apesar de nossas diferenças. Há uma dimensão na qual somos todos iguais, psicologicamente, essa é a dimensão arquetípica. A partir do inconsciente coletivo, passando por varias camadas inconscientes até o inconsciente pessoal e a consciência, passamos por níveis que vão desde o mais igual (coletivo) até o mais diferente (consciência).

Na prática clínica, os conceitos teóricos (arquétipos, complexos, símbolos) funcionam como um pano de fundo em que os analistas junguianos se apóiam para trabalhar e tentar compreender e ajudar o indivíduo a se conhecer em sua imparidade.

Cada teoria oferece uma base ontológica sobre a qual se apóiam os pressupostos epistemológicos (possibilidade e limite de conhecimento) e uma perspectiva metodológica que lhe permite agir junto com o outro. A teoria adotada confere uma atitude frente ao mundo e frente ao outro (paciente) e uma forma de compartilhar o conhecimento que se produz na relação. Por isso é importante que cada psicoterapeuta escolha a teoria que mais lhe faz sentido, pois do contrário ele não consegue trabalhar.

Voltando à questão sobre como conciliar a individualidade com a teoria, em primeiro lugar, como já disse, a teoria é o pano de fundo para a prática; em segundo lugar o conhecimento do plano arquetípico nos ajuda a compreender o padrão básico em funcionamento na psique individual, pois nesse plano somos todos iguais e assim, é no âmbito arquetípico que compartilhamos nossas igualdades. Em terceiro lugar quero salientar a função do símbolo como ponte epistemológica para o conhecimento do inconsciente, ele é a possibilidade de acesso da consciência ao inconsciente. O trabalho analítico é centrado na elaboração dos símbolos do paciente. O símbolo como síntese de aspectos conscientes e inconscientes, traz nessa síntese partes do inconsciente, que num determinado momento se articulam com a consciência em razão de uma experiência vivencial porque faz sentido para o individuo como um todo (consciente e inconsciente).

A hipótese é de que esse aspecto do inconsciente que se constela num símbolo é algo que é necessário para o equilíbrio geral da personalidade e falta à consciência nesse momento. Para ajudar o paciente no processo de auto-conhecimento (individuação) o analista se concentra em auxiliar o paciente na elaboração do material simbólico, pois é isso de que ele necessita neste momento e o que faz sentido para ele. A dinâmica psíquica que produz os símbolos é auto-regulação, mecanismo éster que, diante da tensão entre opostos (consc. e inconsc.) promove a compensação com a finalidade de zerar essa tensão da totalidade. Essa tentativa de restabelecer a homeostase psíquica é comandada pelo self e não pelo ego. Na dinâmica compensatória a síntese ou o acordo que é feito entre o consciente e o inconsciente é o símbolo.

O símbolo seria a forma como o inconsciente se apresenta para a consciência para ser conhecido. Nem sempre o ego é capaz de captar e/ou ficar com esse conhecimento, o trabalho de elaborar o símbolo e integrar seus aspectos inconscientes é do ego, este é que opera a transformação do desconhecido em conhecido. Dessa forma as necessidades e demandas da individualidade são expressas pelos símbolos. Para esclarecer melhor, tudo o que mobiliza, inquieta, instiga, angustia ou aflige o ego tem alto valor simbólico para o indivíduo. Esses sentimentos ou vivencias sinalizam a presença de algo desconhecido que “precisa” ser conhecido pelo ego. Nem sempre, no entanto esse conhecimento se efetiva. O analista vai ajudar nesse processo.

Apenas para finalizar, a metodologia da psicologia analítica parte do pressuposto epistemológico do símbolo como a única possibilidade de conhecimento do inconsciente e da concepção do ser humano como um ser simbólico que vive numa dimensão simbólica, ou seja, o mundo e a vida humana são permeados pela rede simbólica em que a psique humana está inserida. O método então é a forma de apreender e compreender os símbolos (fenômenos).

Esta metodologia é aplicável à psicoterapia e a outros campos de trabalho do psicólogo como educação, trabalho, instituições, etc.

A principal ferramenta metodológica é o que Jung chamou de pensamento simbólico, hoje podemos falar em processamento simbólico, pois trata-se de um processo que envolve todas as funções da consciência (pensamento, sentimento, sensação e intuição). A inclusão do sentimento e da intuição como funções conhecedoras da realidade rendeu muitas críticas à psicologia analítica até meados dos anos 60 em razão da concepção de ciência vigente na época. A ciência moderna baseia-se no pensamento e na sensação e exclui o sentimento e a intuição. Essa ciência utiliza a função perceptiva pela observação empírica que vai delimitar o que existe concreta e objetivamente e baseia-se na função pensativa para definir e conceituar os fatos observados.

Hoje sabemos que é praticamente impossível para o ser humano isolar as funções da consciência e mesmo que isso seja possível ainda há o problema da objetividade exigida. Nosso pensamento e nossa percepção são objetivos e subjetivos, posto que somos sujeitos do conhecimento e somos indivíduos. O máximo que conseguimos é dosar uma e outra. Nós vemos o que somos capazes de ver e essa percepção sempre avalia e não apenas constata o que vê. A função avaliadora é a função sentimento que confere um valor aos fenômenos. O conhecimento, a compreensão dos fenômenos se dará então pelo processamento simbólico.

Notas:

(1) Profa. Assistente Mestre da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Departamento de Métodos e Técnicas