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BOLETIM CLÍNICO - número 17 - Maio/2004

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


5. MITOLOGIA E VIVÊNCIAS ARQUETÍPICAS - Efraim Rojas Boccalandro (1) e Guilherme Kwasinski (2)

Depois de lecionar o curso de Introdução a Mitologia Grega por vários semestres, tivemos a idéia de colocar dentro do programa do mesmo uma situação vivencial relacionada com um deus, ou deusa, dentro da Teogonia de Hesíodo. A situação vivencial foi obtida primeiro pela utilização do Ritmo Respiratório Relaxador de Rojas Boccalandro. (3)

Antes de iniciarmos a respiração através do Ritmo Respiratório Relaxador, solicita-se ao grupo que se sente de forma confortável, com a coluna ereta e as mãos sobre as coxas e, de olhos fechados, visualizem mentalmente o ponto intermediário entre o fim do osso externo e o umbigo, levando o abdômen a inspirar nos quatro tempos que o terapeuta conta e soltando o ar também em quatro tempos.

O Ritmo Respiratório Relaxador consiste em uma respiração na qual a inspiração se faz em 2 segundos e a expiração também em 2 segundos. Isto dá como resultado 15 respirações completas por minuto, dada a sinergia entre o ritmo pulmonar e o ritmo cardíaco, que é da ordem de uma respiração completa para 4 sístoles e diástoles do coração quando, voluntariamente, levamos os pulmões a 15 respirações completas por minuto, estaremos atraindo o coração para uma pulsação perto de 60 por minuto.

Se conseguirmos o batimento cardíaco perto de 60, o sistema nervoso central será atraído para funcionar no ritmo alfa (8/10 pulsações neuro-elétricas por segundo).

Quando uma pessoa está no ritmo alfa, ela fica mais suscetível para visualizações mentais, para deixar aflorar com mais facilidade conteúdos emocionais conscientes ou inconscientes.

Consideramos conveniente colocar para o leitor o conceito de arquétipo.

Segundo Carl Gustav Jung, é a energia psíquica coletiva inconsciente que se manifesta na realização da vocação e em processos coletivos em que se perde a consciência. Por exemplo: No comício dos nazistas e nos festivais de música heavy metal, que tem acontecido recentemente.

PROCESSO DE VIVÊNCIAS ARQUETÍPICAS

Estando o grupo respirando relaxadamente, durante cinco a dez minutos, se sugere que deixe ressoar em si mesmo os atributos positivos e negativos de um determinado deus. Depois de terminado o relaxamento a pessoa pode, se quiser, relatar para o grupo as imagens / emoções que surgiram na sua vivência.

Vamos começar a apresentação do processo de vivência dos arquétipos pelo pai dos deuses e dos homens, Zeus.

O MITO DE ZEUS

Zeus é o principal deus do panteão grego. O chefe supremo da família olímpica. Tido como o mais justo dos deuses, sua palavra é a decisão última que os outros deuses devem acatar. Zeus é a imagem do líder, do patriarca, do chefe, do rei, do presidente. Para chegar a esta condição teve primeiro que destronar seu pai o titã Cronos, depois enfrentar os Gigantes e finalmente o terrível e monstruoso Tifão, só assim ele atingiu o posto de deus supremo.

Do alto do olimpo Zeus organizava o mundo dos deuses e homens. Sua visão era aguda como a visão de uma águia, animal que simbolizava o deus. Zeus era também o responsável pelos fenômenos atmosféricos, dele dependiam as chuvas e conseqüentemente a fertilização do solo.

Após uma série de casamentos, Zeus se casa com sua irmã, a deusa Hera. No entanto o seu conhecido furor sexual continuou em uma série de aventuras extra-conjugais. Ninfas, mortais, deusas, titãnidas, Ganimedes (um rapaz conhecido por sua beleza)... enfim uma série de aventuras que tinham o caráter de ampliar seus domínios nas áreas políticas e espirituais pois, além de unificar a religião grega unindo-se a deusas e entidades locais, também buscava ampliar seu caráter a cada nova relação.

Apesar de ser considerado o mais justo dos deuses, Zeus, por vezes, abusava do seu direito de governar. Este, aliás, é um dos problemas deste arquétipo, a sombra do líder consiste na sua tendência de se considerar “o dono da verdade” e querer impor aos outros aquilo que julga ser verdadeiro.

Certa vez Zeus estava tendo uma conduta tão arrogante que os outros olímpicos liderados por Hera, Posídon e Apolo resolveram fazer uma espécie de golpe de estado. Combinaram de amarrar Zeus em seu próprio leito quando este dormia. Mas parece que todo líder costuma dormir com “uma pulga atrás da orelha” por achar que os outros sempre querem tirar o seu trono. O fato é que Zeus teve um pressentimento e, quando os deuses estavam para amarrá-lo na cama, acordou e vociferou de forma retumbante colocando os mesmos em seus devidos lugares.

Pior do que isto, Zeus puniu os líderes da rebelião olímpica com os seguintes castigos: Hera, sua esposa, foi colocada presa nas nuvens, de cabeça para baixo com bigornas presas nos pulsos puxando-a para baixo. Posídon teve que construir os muros da cidade de Tróia e finalmente Apolo teve que tomar conta de um rebanho por um ano, tarefa pouco louvável para a grandiosidade deste deus.

Sob linhas gerais é este o arquétipo de Zeus, o líder. Busca sempre fazer jus as suas prerrogativas de líder, sendo justo e equânime, no entanto deve estar atento para que não caia nas garras de sua própria sombra tornando-se assim um déspota.

ATRIBUTOS DE ZEUS SUGERIDOS PARA O GRUPO:

Positivos:

Liderança
Justiça
Capacidade empresarial
Habilidade em fazer alianças comerciais ou no casamento

Negativos:

Injustiça. Castigos eternos para falhas passageiras
Tirania
Agir impulsivamente
Ser o “dono da verdade”

ALGUMAS VIVÊNCIAS DO GRUPO:

“Primeiro senti algo em torno da minha cabeça denso, diferente como parecido com o início de uma viagem astral, descobri que estava fazendo o movimento abdominal errado, quando assentei o movimento essa sensação na cabeça diminuiu, pensei nos pontos positivos e negativos de Zeus, mas não tive muita reação, eu já fui muito assim e ainda sou muito, mas não tanto como antes.

Depois comecei a chamar Zeus, a invocar Zeus, pedindo para me ajudar, pedindo a ele para que mostrasse sua força, ai o negócio ficou bom, parecia o início de uma viagem interior, comecei a entrar rápido em algum lugar, ia perder a consciência o coração disparou, senti calor e as mãos começaram a suar”. D.S.F.

“O lado positivo de Zeus: Vi justiça, senti que faz parte do eu, muito forte. Não me identifiquei com nenhum outro. O lado negativo: Impulsividade é meu aspecto nos momentos críticos ou angustiantes, não raciocino, sou empurrada por algo que vem de dentro, às vezes erro, mas às vezes acerto, e os acertos geralmente são gratificantes. Por exemplo: Visão de um acidente com meu filho. Enquanto familiares ficaram imobilizados eu agia com uma força que não era conhecida de mim mesma.

Na música Zeus me trouxe Mozart e depois ouvi Wagner em Parsifal.” S.W.F.

“Logo após o exercício, e de imediato, fiz as seguintes anotações em aula, no tempo que nos foi dado para pôr em linguagem àquilo que se passara em nossas mente:” Medida da justiça, do castigo, da punição. Esta, não pode ser eterna, nem mesmo duradoura em relação a ´delitos` que não são delitos. O ´delito` é ser como se é, como se está? O que nos autoriza a punir o ´ser` e o ´estar` dos que nos são mais queridos? São impulsos jupterianos, nos quais devo pensar. Ou gosto deles? Gosto de manifestá-los? Fazem parte do modo como eu sou?

Ao ler o que havia escrito, e tentando explicar-me o porquê de ter sido isso o que me veio a mente, percebi inicialmente que eu dera mais ressonância aos atributos de Zeus com conotação tida como negativa. Meu grau de investigação procurou compreender o porquê dessa ressonância em relação a quem sou (ou a quem penso que sou, pelo menos). E essa investigação levou-me em um primeiro momento a suspeitar que eu não havia conseguido levar a bom termo o exercício de relaxamento, porque o estado de espírito que se revela nas minhas notas e no que me veio à mente era todo ele o estado de espírito que havia me acompanhado durante todo aquele dia – de desejar certa vingança, certo castigo e certa punição contra uma amiga muito querida.

Por motivos que ainda não compreendi, eu e esta amiga estivemos indispostos um com o outro desde cedo desse dia. Mal nos falamos, quando nos falamos foi com certo desdém e desprezo. Eu literalmente quis mandar raios sobre ela durante todo o dia. E pensei em vinganças diversas (não vamos mais nos falar, vou mudar-me de lugar e sentar-me longe dela, etc.).

Esse ocorrido influenciou bastante o meu estado de espírito neste dia, e foram alguns dos atributos tidos por negativos de Zeus os meus motes de comportamento nesse dia. E foram unicamente eles que ressoaram em mim na vivência do arquétipo Zeus”.

L.A.

“Zeus, o poder... e o inverso. As características citadas estão longe do meu caráter, ou seja, nunca em nenhum momento da minha vida procurei por lideranças. Surgiram oportunidades, tive que assumir algumas vezes, mas não me sentia bem controlando pessoas.

Quando fui adolescente fui convidado a ser líder de associação religiosa, sentia-me incomodado de ter que preparar material e, principalmente, em transmití-lo. Nos trabalhos em grupos, como escola, sempre atuei na retaguarda. Na faculdade nunca consegui defender minhas opiniões com imposição. Nos empregos, sempre tive problemas como encarregado de grupos, não era o que queria.

Na família, sempre dividi a autoridade de pai, com esposa e filhos. E, com amigos, sempre dividi as opiniões, nunca procurei impor nada!”.

A.D.S.F

“Imagem de um homem usando uma roupa de ferro. Ele estava completamente estático como uma estátua.

Houve um momento que comecei a ouvir uma música (não ficou claro se existia ou não música no fundo). A partir do momento em que ouvi a música, a imagem começou a se movimentar, gesticular como se fosse um grande ditador (tipo Hitler). Ele possuía algo em uma de suas mãos que não consegui definir bem, parecia uma pequena espada.

Quando ele ficava de perfil seu cabelo era liso, um pouco abaixo do queixo e parecia ser um índio.”

S.C.I.

“De início foi um pouco difícil, mas a hora que relaxei, a primeira imagem que veio a minha mente, foi de Joana Dark. Eu era ela em cima de um cavalo branco, com cabelos bem compridos. Alternava-me como dona da razão justa e abusando do poder, matando sem razão (neste momento ela não tinha uma espada e sim um revólver).”

M.M.

O MITO DE AFRODITE:

Afrodite é a deusa da beleza, da sensualidade, da sexualidade. Mãe de Eros ela é a imagem do amor que pode se manifestar sob vários aspectos, o amor sublime e elevado, o amor carnal e erotizado. Para Afrodite se realizar ela precisa dar vazão a sua energia erótica, seja através do encontro amoroso ou através da arte ou algum trabalho criativo.

Dois mitos contam o seu nascimento. O primeiro, e mais conhecido, diz que ela é filha da espuma de Urano com a espuma do mar. O Titã Cronos castrou o seu pai, Urano, com uma enorme foice de bronze, a seguir ele jogou os testículos no mar. A espuma do sêmen de Urano, com a espuma do mar gerou a deusa Afrodite. Esta maneira de Afrodite ser gerada foi de uma violenta paixão de Cronos contra o pai.

Também é interessante ressaltar que, nesta primeira versão, a geração de Afrodite é a maneira dos peixes que, sem cópula, o macho solta na água seu sêmen e a fêmea seus óvulos. Realizando assim a concepção na água.

A segunda história, que conta este fato, sugere que Afrodite seria filha de Zeus com uma ninfa marítima chamada Dione. Nesta versão a forma como Afrodite é gerada é muito mais suave. Este nascimento seria mais delicado, como um amor que se inicia gradualmente.

Em uma disputa com as deusas Hera e Atena ela foi escolhida como “A Mais Bela das Deusas”. Este episódio é conhecido como “O Juízo de Páris”. Páris é o nome do herói que teve que decidir para quem deveria entregar a maçã de ouro. Esta decisão foi muito delicada. Além da dificuldade da escolha, cada deusa tentou subornar Paris com algum atributo seu. Atena, deusa da sabedoria e da lógica, lhe prometeu uma inteligência desenvolvida. Hera, esposa de Zeus e primeira dama do olimpo, ofereceu-lhe uma vasta poção de terras próximas da cidade de Tróia. E, por fim, Afrodite, deusa que conhece os mistérios do amor ofereceu a mão da mulher mais bela do mundo, Helena, esposa do rei Menelau. Por ter escolhido Afrodite, Paris rumou até a cidade de Espata e consegue raptar Helena. Este episódio será o início de um grande conflito que resultaria na Guerra de Tróia.

Afrodite, a mais bela, é casada com o mais feio dos deuses, Hefesto. Este deus tem as pernas tortas, anda manquitolando pelo Olimpo e, outros deuses, caçoam desta condição. Ele, por sua vez, é muito hábil com as mãos sempre confeccionando objetos de arte, armas... ele é o grande artista plástico dos deuses. Existem algumas versões para o casamento destes dois deuses. Primeiro teria sido um presente de Zeus para Hefesto, por este ter confeccionado Pandora a primeira mulher. Uma outra versão diz que foi uma exigência de Hefesto para libertar sua mãe, a deusa Hera, de um trono de ouro. Uma terceira versão diz que foi Afrodite quem escolheu Hefesto. O fato é que os dois formam um par complementar entre o feio e a bela, entre o artista e a obra de arte.

Mesmo casada Afrodite continuou a ter muitos amantes. O mais conhecido foi o deus da guerra Ares, irmão de Hefesto. No entanto o marido foi avisado por Hélio, o sol, do que estava acontecendo. Hefesto resolve pegar os amantes em flagrante e coloca uma fina rede de ouro sobre o leito do casal. Fingindo ter saído para trabalhar em sua oficina, Hefesto solta a rede e prende o casal de amantes. O marido traído chama então todos os deuses do Olimpo esperando da parte destes um gesto de solidariedade. Quando os mesmo viram o casal de amantes caíram na gargalhada... Deste encontro nasceram Deimos (o terror), Fobos (o medo) e Harmonia.

Muitas vezes criticada e incompreendida, Afrodite clama pela sua liberdade. Ela solicita uma expressão dos seus instintos sexuais, a deusa precisa realizar e dar forma a esta energia. Afrodite tem uma enorme capacidade de viver o aqui-e-agora, não se importando com as conseqüências futuras. É uma deusa intensa, livre, sensual e muitas vezes não se preocupa com o amanhã.

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