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BOLETIM CLÍNICO - NÚMERO 14 - MARÇO/2003

Boletim Clínico | Psicologia Revista | Artigos


4. O Atendimento Psicológico como Instrumento de Realização Psicossocial em C.A.P.S.A. - Centro de Atenção Psicossocial - Luís Gustavo Vechi(1)

O presente artigo tem, como objetivo, demonstrar que o atendimento psicológico, realizado em Centro de Atenção Psicossocial - C.A.P.S., pode ser potencializado como intervenção promotora de reabilitação psicossocial.

1. Para começar

Antes de tudo, é preciso explicitar as noções teóricas de reabilitação psicossocial, bem como de atendimento psicológico consideradas nesse trabalho.

Parto da noção de reabilitação psicossocial proposta pela International Association of Psychosocial Rehabilitation Services (1985), que foi apresentada no artigo Psychosocial rehabilitation: toward a definition, de Cnaan et al. (1988).

De acordo com essa associação, a reabilitação psicossocial é:

"...o processo de facilitar ao indivíduo com limitações, a restauração, no melhor nível possível de autonomia do exercício de suas funções na comunidade ... o processo enfatizaria as partes mais sadias e a totalidade de potenciais do indivíduo, mediante uma abordagem compreensiva e um suporte vocacional, residencial, social, recreacional, educacional, ajustados às demandas singulares de cada indivíduo...[grifos meus]" (p. 61)

Parto também da noção de clínica ampliada, articulada por Bezerra (1996), para circunscrever o que entendo por atendimento psicológico. Para esse autor (1996),

...fazer clínica não é apenas lidar com a interioridade psicológica do sujeito, mas lidar com a rede de subjetividade que o envolve, o que implica não apenas nessa interioridade, mas em todas as formas de estímulos que no campo da alteridade se apresentam para o sujeito, como causa de sua ação... [grifos meus] (p. 141).

Em outras palavras,

...pensar na clínica [em sua forma ampliada] é pensar em criar instrumentos, settings, modalidades de intervenção com objetos, com palavras, com silêncios, mas que produzam e provoquem reações que apontem para uma plurificação da capacidade daquele sujeito ordenar suas práticas psíquicas, suas práticas sociais, de modo mais criativo. [grifos meus] (p.142).

Como se pode observar acima, ao circunscrever o atendimento psicológico a partir da noção de clínica ampliada é possível encontrar nessa modalidade interventiva a oportunidade de executar alguns dos objetivos propostos para a reabilitação psicossocial.

Isso quer dizer que o atendimento psicológico pode ser definido como um procedimento que não intervém apenas na interioridade psicológica do cliente, num espaço psicoterápico protegido no serviço de saúde mental, mas que intervém direta, e não apenas indiretamente, nas relações desse cliente com a comunidade, a fim de favorecer a sua reinserção social. Essa reinserção entendida como o resgate ou a ampliação das possibilidades de troca do cliente com e no contexto em que vive.

Nesses termos, circunscrevo abaixo oito princípios metodológicos que, em minha experiência clínica, têm permitido aproximar o atendimento psicológico da noção de clínica ampliada, isto é, têm permitido que essa intervenção seja promotora de reabilitação psicossocial em Centro de Atenção Psicossocial.

2. Um caso clínico como recurso demonstrativo

Os oito princípios, acima mencionados, são apresentados por intermédio do relato do atendimento psicológico que prestei a Gabriel, um cliente do serviço C.A.P.S. - Pirituba, onde trabalhei como psicólogo por aproximadamente cinco anos(2) . A escolha por relatar esse atendimento, em específico, não é aleatória, porque foi com Gabriel, e graças a sua genialidade, que pude começar a formular os princípios metodológicos em questão e aplicá-los em outros atendimentos nesse tipo de serviço.

2.1. O começo do atendimento

Gabriel foi o meu primeiro cliente de atendimento psicológico no serviço de saúde mental em questão. Esse cliente tinha 44 anos, morava com o pai, havia recebido há muito tempo o diagnóstico de esquizofrenia paranóide e contava com uma história psiquiátrica de trinta anos, com mais de quarenta internações em serviço de tipo hospitalização integral.

Já na primeira sessão de atendimento psicológico, Gabriel veio com a fala certa e necessária para que eu pudesse considerá-lo em seu anseio. Do que consigo me lembrar, ele me disse o seguinte:

Estou cheio de ouvir as mesmas coisas e diagnósticos de vocês. Eu tenho muitos anos de Psiquiatria e não consegui um lugar diferente para mim, ainda vivo em função do tratamento. Eu quero algo novo. Não agüento mais contar a minha história. Eu cansei doutor. Eu quero algo diferente. Eu quero poder trabalhar, casar e ter o meu próprio dinheiro. Será que você pode me ajudar?

Com essa fala inicial de Gabriel, fiquei assustado, porque ele solicitava que eu não fizesse justamente o que pretendia: reproduzir um formato conhecido de atendimento psicológico para os portadores de sofrimento mental. Esse formato restringiria a intervenção com Gabriel a um espaço psicoterápico reservado no contexto do serviço de saúde mental. Esse formato também prescreveria, a partir de alguma teoria psicológica, um atendimento voltado à identificação de diagnóstico, de prognóstico, de conflitos psíquicos, de maturidade psicológica, de estrutura de personalidade, de elaboração de conflitos, entre outros.

No entanto, algo me dizia que, se assim procedesse, pondo em prática esse formato conhecido, a fala inicial de Gabriel, por mais desconforto que tivesse me despertado, seria anulada em sua maestria. Em outros termos, a referida fala perderia o atributo necessário para que a demanda dele, de ter uma vida diferente, pudesse ser encaminhada.

Desse modo, essa situação inicial de tensão foi o primeiro elemento produtivo introduzido por esse cliente em seu processo terapêutico. Ele promoveu o "abalo" e o "desarranjo" necessários no formato de atendimento psicológico de que dispunha para ser aplicado. Não permitiu que o nosso encontro fosse meio de repetição do instituído - do que já era conhecido por mim e por ele -, mas favoreceu que se tornasse oportunidade de resgate do nosso potencial instituinte, lançando-nos ao desconhecido. Fui levado pelas mãos de Gabriel a vivenciar a angústia e o prazer da gestação do novo que, apesar de ainda não concretizado, já era por ele demandado.

Ao considerar esse início de relação, um primeiro princípio para o atendimento psicológico em instituição de saúde mental que destaco é o seguinte: (1) é importante que o terapeuta identifique a demanda trazida pelo cliente para que o atendimento seja organizado a serviço dela. Essa demanda não pode ser entendida apenas como desejo, pois é importante levar em conta as necessidades apresentadas pela totalidade do cliente. As necessidades contidas na totalidade do cliente podem, em várias momentos, ser diferentes do que ele deseja ou não serem conhecidas por ele, diferentemente do que ocorreu com Gabriel.

Sendo mais específico, é possível dizer que a identificação da demanda envolveria o reconhecimento da totalidade do cliente em seu contexto de vida e incluiria a possibilidade de se formular ou de se confirmar um projeto de vida para ele. Um projeto do qual faça parte o âmbito de troca e de inserção desse cliente no contexto comunitário.

Apesar de inicialmente Gabriel formular com clareza a demanda para o processo de atendimento, nós ainda tínhamos alguns entraves. Se, por um lado, Gabriel ansiava pelo novo, por outro, ele ainda se encontrava mergulhado em hábitos antigos que estavam associados principalmente a uma perspectiva paranóica a respeito da vida. Esses hábitos o impediam de ouvir-me e de se relacionar com a vida como ele gostaria. Eu, por outro lado, mantinha-me também preso numa perspectiva paranóica que se tornava presente mediante a crença, segundo a qual, nós não estávamos a altura da pretensão arriscada por esse cliente. Eu só conseguia me enxergar, bem como a Gabriel, a partir da identificação de entraves.

Algo precisava ocorrer nos dois personagens envolvidos nessa empreitada para que a demanda instituinte, formulada por ele inicialmente, pudesse ser de fato considerada. A saída para essa situação não foi encontrada em mim ou nele, em separado, e sim, em algo inesperado que nos unia: o vínculo afetivo.

Com o vínculo afetivo que se criava, percebi que, embora tivesse me encantado com a fala inicial de Gabriel, no atendimento que lhe dava, o meu olhar sobre ele era seletivo. Eu priorizava a identificação da falta em Gabriel, isto é, a paranóia, a falta de dinheiro, de trabalho, de casamento, entre outros.

A partir dessa constatação, desenvolvi, progressivamente, um olhar que aprendeu a considerar o que ele apresentava de positivo e não o que lhe faltava ou era negativo. A possibilidade de me deixar admirar aquela pessoa foi oportunidade de recobrar para mim e de evidenciar para Gabriel, um pouco de seu valor. O seu valor deixava de estar exclusivamente depositado em conquistas pessoais exigidas socialmente como, por exemplo, o trabalho e o casamento, que ainda estavam por serem alcançadas para essa pessoa. Esse mesmo olhar produtivo, ao invés daquele fixado na falta, pôde também ser desenvolvido a meu respeito, resgatando a minha possibilidade de ação na relação terapêutica estabelecida.

O novo tão almejado por Gabriel podia se atualizar, em algum nível, na própria relação terapêutica para esse cliente. Esse novo, todavia, não estava se fazendo apenas no cliente, mas também no terapeuta. Como conseqüência disso, cliente e terapeuta se fortaleciam para um diferente trato do processo terapêutico.

Proponho, como segundo princípio importante no atendimento psicológico em instituição de saúde mental, o de (2) o terapeuta valorizar o vínculo afetivo com o cliente como fundamental instrumento para a formação de uma aliança para o trabalho psicológico. Destaco ainda, do que foi dito acima, um terceiro e quarto princípios, quais sejam: (3) é preciso que o terapeuta reconheça o positivo e não apenas o negativo ou a falta no cliente e também que (4)identifique as transformações que são necessárias em si próprio para poder acompanhar a demanda do cliente.

Esses terceiro e quarto princípios são necessários, porque trazem a oportunidade de o terapeuta reconhecer capacidades e possibilidades imprevisíveis no cliente e em si próprio, como profissional da saúde mental, ao invés de se restringir a considerar aspectos previsíveis informados pelo seu conhecimento teórico ou experiência clínica anterior, arquivados em algum modelo de atendimento já formatado.

A possibilidade de se reconhecer a existência de valores em Gabriel foi corroborada com o exercício de algumas habilidades dele no atendimento psicológico e também em outros espaços no C.A.P.S. Uma de suas habilidades utilizadas no processo terapêutico foi a religião. Ele conhecia muito bem a bíblia e passou a ler e a interpretar alguns trechos durante os atendimentos comigo, ensinando-me sobre ela. Ele passou, além disso, a coordenar um grupo criado na biblioteca do C.A.P.S., para discutir assuntos religiosos. Um talento dele, portanto, pôde aparecer e ser aproveitado na relação psicoterápica, assim como no âmbito coletivo do serviço.

No entanto, o mais importante é que, com essa habilidade, Gabriel, por alguns instantes, ganhava concreta e simbolicamente um outro lugar no C.A.P.S.: passava do lugar de doente ou de portador de sofrimento mental para o de professor, ou seja, passava daquele velho e conhecido lugar de quem deve receber para o lugar de quem podia e tinha o que doar. O lugar de quem tinha um valor e não apenas aquele de quem o receberia de alguém.

Encaminho, assim, um quinto aspecto importante para o atendimento psicológico: (5)cabe ao terapeuta favorecer a possibilidade de o cliente ocupar lugares simbólica e concretamente diferentes daquele de doente ou de sofredor mental, marcado pela condição de quem deve supostamente receber no espaço do tratamento e no contexto social. Isso quer dizer que cabe ao terapeuta favorecer que o cliente ocupe o lugar de doador de algum valor no coletivo do tratamento e fora dele, sendo reconhecido por ele.

2.2. A experimentação da vida

Apesar dos anseios de Gabriel e de já estar cansado da rotina do C.A.P.S., bem como do tédio que a sua vida despertava, o seu hábito de viver dessa forma ainda lhe falava mais forte. A saída para enfrentar a inércia em Gabriel foi, mais uma vez, produto de sua inteligência e perspicácia. Ele foi reconhecendo que era alguém capaz de fazer escolhas na vida e que, em grande parte delas, dependia o rumo de sua existência.

Gabriel se envolveu em oficinas de trabalho que eram oferecidas no serviço do próprio C.A.P.S.. Nas oficinas de trabalho do C.A.P.S. Pirituba, os usuários podiam desenvolver um trabalho e ganhar algum dinheiro. Gabriel participou da oficina de horta e de lanchonete. Ele passou a ficar entediado com as oficinas, pois algo em si próprio parecia almejar uma atividade diferente e fora do espaço do serviço.

Em função de seu interesse em cozinhar, identifiquei um curso de panificação que era ministrado em uma instituição na comunidade. Juntamente com uma assistente-social do serviço C.A.P.S., estabeleci um acordo com essa instituição para que fosse disponibilizada uma vaga para Gabriel. Além disso, ofereci uma assessoria permanecente para o professor desse curso, já que as pessoas da instituição tinham algum receio de tê-lo como aluno.

Após algumas sugestões, Gabriel aceitou conhecer o curso. O medo de Gabriel em começar o curso de panificação não foi apenas objeto de trabalho no atendimento realizado no C.A.P.S., já que eu o acompanhei na inscrição e em alguns outros momentos dessa atividade. Essas intervenções, além de vivenciadas, eram resgatadas para que pudéssemos aprender com elas, utilizando-as em prol do processo de atendimento dele.

Após esse curso, Gabriel passou a desejar um emprego. No entanto, ao mesmo tempo falava de uma preguiça cultivada ao longo dos trinta anos de uma vida restrita principalmente às rotinas de tratamento. Ele dizia que o seu corpo tinha se acostumado a receber tudo da mão dos médicos, das enfermeiras e de sua família. Com esse processo reflexivo, ele identificou que o seu leque de opções na vida tinha limitações.

Ele tomou outra decisão. Uma decisão que respeitava a sua demanda por uma nova vida, bem como a preguiça de seu corpo. Ele começou a assumir em sua casa o que era necessário e prazeroso: o preparo de suas refeições, as compras no supermercado, entre outros.

Semanalmente, íamos juntos ao supermercado perto do C.A.P.S., no horário de alguns atendimentos, por quase um ano. Fizemos, inclusive, por algum tempo, uma reunião semanal com o pai de Gabriel para, juntos com ele, elaborarmos a lista de compras e recebermos a mesada semanal que ele passou a ganhar. A cada dificuldade e possibilidade apresentadas por Gabriel no supermercado, era uma oportunidade de ele (re)descobrir algo novo a respeito de si.

Nesse sentido, o atendimento psicológico estava a serviço de uma leitura psicológica a respeito de Gabriel, mas também da possibilidade de reconhecer uma finalidade prática para ela. Assim, muitas das minhas intervenções com ele ocorreram em um setting diferente daquele psicoterápico no C.A.P.S., na comunidade, para "agenciar", juntamente com ele, a possibilidade de ele concretizar um projeto de vida e não apenas pensar, refletir, discutir e desejar no espaço psicoterápico.

Em muitos momentos, no atendimento psicológico, (6)não basta reconhecer a demanda do paciente e favorecer que ela se torne clara para ele, mas o terapeuta deve favorecer a sua realização, com ações concretas dentro e fora do espaço psicoterápico. Esse é o sexto princípio que considero importante para esse tipo de intevenção em serviço de saúde mental.

O processo de experimentação da vida propiciou a Gabriel não apenas a descoberta do prazer de conviver consigo próprio, mas também com os outros, com a comunidade, em seu contexto natural, pois até os vizinhos de sua casa, que há meses atrás eram personagens de delírios persecutórios, se tornaram figuras interessantes para ele.

As dificuldades de Gabriel não desapareceram, a perseguição sempre estava às voltas, mas passou a reconhecer um valor em sua existência: a possibilidade de fazer escolhas e de interagir, de uma forma mais satisfatória, com a comunidade. Esse cliente vivia, assim, uma experiência valiosa: a condição de sujeito, pois o seu potencial de ação e a sua singularidade passaram a ser levadas em conta em sua vida concreta, por ele e por algumas pessoas, tanto no atendimento psicológico quanto fora dele, no contexto social. E, assim, proponho o sétimo princípio de atendimento: (7) valorizar o potencial de ação, a capacidade instituinte e não apenas o instituído. Além disso, valorizar também a diferença, a singularidade do cliente.

Embora a condição de sujeito tenha ganhado formas mais nítidas com o decorrer dos atendimentos, a sua semente já havia sido plantada por Gabriel no início do processo terapêutico, quando solicitou uma escuta que não o tomasse da posição de objeto, ou seja, que buscasse apenas (re)produzir um formato de atendimento instituído, desvalorizando aquele ainda por ser produzido.

Gabriel não conseguiu as conquistas materiais e sociais anunciadas no início do atendimento como se casar, arrumar um trabalho fixo, entre outros, mas em busca desses aspectos, ele aprendeu a aproveitar o que lhe era possível: a cozinhar, a se relacionar com os vizinhos e familiares, a fazer parte das oficinas de trabalho abrigado quando desejava. Mas, acima de tudo, ele aprendeu a reverenciar a vida: o sol, a lua, as pessoas, a possibilidade de saciar a fome e sede, o amor, entre outros.

O produto mais gratificante de todo o seu esforço, segundo ele, era poder se sentir como mais uma pessoa comum a habitar o mundo. A novidade que ele buscava tinha sido alcançada e, de fato, incorporada em sua existência. Um novo sentimento foi, inclusive, desperto em Gabriel: a gratidão. Foi incrível pensar que uma pessoa com uma história psiquiátrica de trinta anos pudesse desenvolver esse tipo de reconhecimento com relação à vida.

A genialidade de Gabriel e a possibilidade de eu ter aceitado o seu convite inicial representaram para mim a oportunidade profissional de descobrir os princípios acima mencionados que tornaram e ainda tornam, em minha experiência profissional, o atendimento psicológico uma modalidade de intervenção capaz de realizar objetivos reconhecidos como próprios à reabilitação psicossocial.

Nem sempre os terapeutas contam com a genialidade e a força de Gabriel. Por isso, é prudente que se mantenham na relação ocupando um lugar que permita ao cliente dirigir o seu processo psicoterápico. Isso quer dizer que é fundamental que o terapeuta, em vários momentos do processo de atendimento psicológico, se coloque no lugar de APRENDIZ DE SEU CLIENTE. Esse é o oitavo e último princípio de atendimento. Apesar de estar sendo apresentado por último, esse é o princípio que permite a execução dos demais, já mencionados acima.

3. Para finalizar

Posto isto, penso ter podido demonstrar, a partir desses oito princípios metodológicos ilustrados por intermédio de um caso clínico, a possibilidade de o atendimento psicológico, realizado em Centro de Atenção Psicossocial - C.A.P.S., ser potencializado como intervenção promotora de reabilitação psicossocial. Um atendimento que, portanto, favoreceria diretamente e não apenas indiretamente a reinserção social da clientela, isto é, o resgate ou a ampliação das possibilidades de troca do cliente com e no contexto em que vive.

A possibilidade de o atendimento psicológico favorecer tal objetivo é fundamental já que, em grande parte dos serviços de saúde mental da rede pública, não há recursos para a organização de estratégias de reabilitação psicossocial, que tenham como objetivo a reinserção social.

Na maior parte das vezes, quando o atendimento psicológico se dedica a atuar de forma direta apenas na interioridade subjetiva, sem desenvolver alguma intervenção nas relações do cliente com o contexto comunitário, pode ocorrer a permanência pouco construtiva do paciente no serviço de tratamento. O cliente, nesse caso, acaba por reduzir a sua vida à ida e à vinda do tratamento ou do atendimento psicológico.

Nesse caso, é possível pensar na possibilidade de produção de uma iatrogenia para a clientela, ainda que o serviço em questão onde ela realiza o tratamento seja substitutivo como o Centro de Atenção Psicossocial, porque assim como nos asilos das décadas de setenta e oitenta, haveria uma alienação da função de promoção da reinserção social, que é deixada para um tipo de estratégia - a reabilitação psicossocial - na maior parte das vezes inexistente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEZERRA, B. A clínica e a reabilitação psicossocial. In: PITTA, A. (org.) Reabilitação psicossocial no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1996. p. 137- 142.

CNAAN, R. A. et al. Psychosocial rehabilitation: toward a definition. Psychosocial Rehabilitation Journal, v. 11, n. 4, p. 61-77, 1988.

Notas:

(1) Psicólogo formado pela PUC-SP, especialista em Psicologia Hospitalar pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas e Mestre em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP. Trabalha no C.A.P.S. - Centro de Atenção Psicossocial Luis da Rocha Cerqueira e é docente da Universidade São Marcos e do Centro Universitário Sant´Anna.

(2) Gostaria de deixar registrado o meu profundo agradecimento à supervisora clínica do atendimento à Gabriel, Professora Maria Ruth Gonçalves Pereira, bem como à Vera Rossi e a Antonio Augusto Telles Machado, pelas valiosas sugestões que fizeram durante todo o processo de intervenção nesse cliente.