A grande cidade faz perder os caminhos. São Paulo impede toda localização, rastrear o itinerário percorrido. O asfalto apaga rastros, faz com que não hajam mais pegadas. Não há mais como seguir aquele que há muito se perdeu na multidão.


O vagar do habitante da metrópole contemporânea, o contínuo caminhar pelo trabalho, pela busca de sobrevivência, ficou impresso somente nos próprios sapatos. Hélio Melo recolheu centenas de sapatos, jogados nas ruas. Sapatos gastos, sujos, marcados pelo andar aparentemente sem descanso. Está tudo estampado ali: as ruas imundas, a passagens de terra batida, as escadarias de cimento. Até a falta de direção, os endereços não encontrados, os sucessivos retornos aos mesmos lugares, parecem estar inscritos neles. Van Gogh um dia pintou os sapatos usados de um camponês. Aqui eles não tem mais o par, multiplicados ao infinito, avassaladoramente onipresentes, cobrindo todo o espaço da sala. Não é mais possível a distância da observação, que permitia o gesto estético do pintor. A evidência do descaminho e da miséria só deixa lugar à frieza maníaca do colecionador de perdas.