Projetos Finalizados > Ciberespaço

Projeto realizado de 1999 a 2001 sob os auspícios do CNPq

Os resultados do projeto constam do livro

Santaella, Lucia (2004). Navegar no ciberespaço: O perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus.

 

Title of the Project:

Cognitive Foundations of Communication: Applications on the Navigation Processes of Cyberspace.

 

Abstract:

Having as its object of inquiry the communication webs, this project departs from the hypothesis that the web can not be understood solely from a technological point of view. On the contrary, it demands inquiries which are situated in the complex interfaces of biology, computational simulations, and brain and machine interactivity. Founded on some bio-cognitive concepts of communication, this project aims to study the perceptive and cognitive changes which are implied in the processes of navigating in cyberspace.

 

Apoio CNPq, ref.: 522903/96-7 (NV)

PROJETO INTEGRADO

Dra. Maria Lucia Santaella Braga

 

TÍTULO DO PROJETO:

FUNDAMENTOS BIOCOGNITIVOS DA COMUNICAÇÃO. APLICAÇÕES NOS PROCESSOS DE NAVEGAÇÃO NO CIBERESPAÇO.


EQUIPE DE PESQUISADORES

I. COORDENAÇÃO GERAL E ELABORAÇÃO DOS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO PROJETO: PROFA. DRA. MARIA LUCIA SANTAELLA BRAGA, PUCSP

II. SUB-COORDENAÇÃO E ELABORAÇÃO DOS CONCEITOS DE HIPERMÍDIA: PROF. DR. SÉRGIO BAIRON

III SUPERVISÃO TÉCNICA DO PROJETO: UM BOLSISTA DE APOIO TÉCNICO

III. ASSESSORIA À COORDENAÇÃO

IV. 3 BOLSISTAS DE APERFEIÇAMENTO

3 BOLSISTAS DE INICIAÇÃO

 

1. RESUMO DO PROJETO:

 

Tendo por objeto de estudo as redes comunicacionais da teleinfromática, este projeto parte da hipótese de que essas redes não se fazem mais entender sob um ponto de vista meramente tecnológico, exigindo, ao contrário, investigações situadas nas interfaces complexas da biologia com simulações computacionais e a interatividade cérebro e máquina. A partir do levantamento de alguns dos fundamentos bio-cognitivos da comunicação, este projeto visa estudar as transformações perceptivas-cognitivas implicadas nos processos de navegação no ciberespaço

 

2. ANTECEDENTES E CONTEXTO INSTITUCIONAL DO PROJETO

 

Em 1987, há quase dez anos, o programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUCSP, naquela época um programa de pequeno porte, contando com cerca de 70 alunos de mestrado, e menos de uma dezena de doutorandos, deu início a um processo que, desde então, tem crescido e se sedimentado: a organização de grupos coletivos de pesquisa de grande porte capazes de romper com o individualismo e formalismo das velhas formas de produção acadêmica restritas a aulas, seminários, monografias, tudo isso se canalizando para a defesa de uma dissertação ou tese.

 

Sem negar a importância do trabalho intelectual individual, já naquele tempo, alguns dos professores e também alunos do programa, alimentados por discussões que a CAPES estava levantando, colocavam a necessidade de que um programa de pós-graduação fosse capaz de criar meios de intercâmbio, confronto e debate, especialmente meios de produção coletiva que fossem capazes de estimular, alimentar a pesquisa de cada um através de compromissos coletivamente assumidos e das trocas que um tal tipo de pesquisa traz.

 

Foi assim que nasceu em 1988, o projeto coletivo, Imagens técnicas: do mundo mecânico-industrial ao mundo eletrônico pós-industrial. Implicações estéticas, culturais e epistemológicas, sob coordenação de Lucia Santaella e Arlindo Machado. Aprovado pela FINEP, esse projeto trouxe ao programa um pequeno laboratório de computação gráfica, o primeiro a existir em uma universidade brasileira, no qual foram geradas também as primeiras pesquisas universitárias sobre computação gráfica, inclusive a primeira dissertação brasileira sobre computação gráfica, de autoria de Rejane Caetano Augusto, com orientação de Lucia Santaella, em 1989. O laboratório era pequeno, mas, sem dúvida, serviu como mola propulsora para uma nova dinâmica de pós-graduação que vem sendo implantada com sucesso cada vez maior no programa.

 

Tendo terminado o projeto da Finep, os mesmos coordenadores, mas agora acompanhados de novos professores e pesquisadores, deram início a um outro projeto temático, de maior porte e maior ambição, este dirigido à FAPESP, sob o título de Avanços tecnológicos e novas gramáticas da sonoridade: implicações estéticas, culturais e epistemológicas. Esse projeto trouxe ao programa um laboratório de música acústica de nível internacional que atraiu para a PUCSP pesquisadores em música eletro-acústica de qualidade.

Com a infraestrutura acima descrita e os grupos de pesquisa que dela tiram proveito para a realização de projetos coletivos, realizaram-se no programa os primeiros livros e trabalhos em CDROM produzidos em universidades brasileiras (Ensaios sobre a contemporaneidade, de Arlindo Machado, Eisenstein, multimídia, de Arlindo Machado e equipe, Mário de Andrade, de autoria de uma equipe de pesquisadores artistas e Mallarmé, também de uma equipe de pesquisadores artistas. Estão em progresso um livro de contos em CDROM, de autoria de Lucia Santaella, além de outros projetos em fase de elaboração. Foi também na Comunicação e Semiótica da PUCSP que foi defendida a primeira tese em CDROM do país, de autoria de Tania Fraga e orientação de Arlindo Machado, em maio de 1995.

 

O número de projetos sonoros já realizados e em realização no laboratório de som chega a algumas dezenas.

 

Enfim, já existe uma larga tradição no programa de COS para a realização de projetos de pesquisa sobre e com novas tecnologias, o que tem sido facilitado pela existência de laboratórios específicos para essas pesquisas, além de um grande número de pesquisadores dispostos para as tarefas de um trabalho colaborativo.

 

Estando o projeto integrado sobre multimídia, apoiado pelo CNPq, sob a coordenação de Lucia Santaella, em fase final de realização, conforme pode ser atestado pelo relatório parcial que foi entregue ao CNPq, temos agora condições de enfrentar um projeto de pesquisa um pouco mais complexo, na área das tecnologias da comunicação, respaldado em resultados obtidos e a partir de novas questões que foram surgindo no projeto anterior.

 

3. CONTEXTO GERAL E JUSTIFICATIVA DA PESQUISA

 

Nas palavras de Joël de Rosnay (1997: 29), estamos vivendo neste final de século um verdadeiro choque do futuro resultante sobretudo dos avanços das ciências físicas e biológicas. Enquanto a física e a eletrônica levaram ao desenvolvimento da informática e das técnicas de comunicação, a biologia levou à biotecnologia e à bioindústria. Estamos, sem dúvida, entrando numa revolução da informação e da comunicação sem precedentes que está desafiando nossos métodos tradicionais de análise e de ação.

No cerne dessas transformações, os computadores e as redes de comunicação passam por uma evolução acelerada, catalisada pela multimídia, hipermídia, a digitalização e a compressão dos dados. Alimentada com tais progressos, a internet, rede mundial das redes interconectadas, explode de maneira espontânea, caótica, superabundante. Nesse mesmo ambiente técnico e científico, emergem setores inquietantes, tais como a realidade virtual e a vida artificial.

Cérebros humanos, computadores e redes interconectadas de comunicação ampliam, a cada dia, um ciberespaço mundial no qual todo elemento de informação encontra-se em contato virtual com todos e com cada um, tudo isso convergindo para ‘a constituição de um novo meio de comunicação, de pensamento e de trabalho para as sociedades humanas’, enfim, de uma nova antropologia própria do ciberespaço (Lévy 1998: 12).

Segundo Lévy (ibid.: 13), a fusão das telecomunicações, da informática, da imprensa, da edição, da televisão, do cinema, dos jogos eletrônicos em uma indústria unificada da multimídia é o aspecto da revolução digital que tem sido mais enfatizado. Entretanto, esse não é o aspecto mais importante. A par dos aspectos civilizatórios, tais como novas estruturas de comunicação, de regulação e de cooperação, linguagens e técnicas intelectuais inéditas, modificação das relações de espaço e tempo etc., o mais importante está no fato de que a forma e o conteúdo do ciberespaço ainda estão especialmente indeterminados. Diante disso, não se trata mais de raciocinar em termos de impacto (qual o impacto das infovias na vida econômica, política, cultural, científica?), mas em termos de projetos.

A proposta de pesquisa que aqui se segue, insere-se dentro dessa perspectiva: estamos buscando raciocinar através de um projeto voltado para um tópico específico e especializado da revolução bio-cibernética que apresenta relevância para a área da comunicação.

O foco do projeto se dirige, em primeiro lugar, para a noção das redes de comunicação. Partimos da hipótese de que se trata de uma noção que não se faz entender à luz de uma visão estritamente tecnológica. Tanto é assim que o funcionamento das redes de comunicação apresenta semelhanças com o comportamento do sistema nervoso, do sistema imunológico, podendo ser simulado através de programas computacionais que estão no centro das preocupações dos cientistas de inteligência artificial. A compreensão desse funcionamento parece exigir, portanto, a interface e cooperação da pesquisa em comunicação com algumas disciplinas, tais como as ciências cognitivas, as ciências da informação, inteligência artificial e a biologia que, a despeito da especificidade de cada uma, estão lidando com questões que são, antes de tudo, questões comunicacionais. As ciências da comunicação tem, portanto, muito para dar e receber nesse convergência.

Assim sendo, o projeto aqui proposto, principalmente na parte de seus fundamentos, enquadra-se naquilo que Lucien Sfez (1994: 11) caracteriza como o núcleo epistemológico da comunicação ‘que reúne em torno de pontos comuns grande diversidade de saberes: biologia, psicanálise, mass media studies, instituições, direito, ciência das organizações, inteligência artificial, filosofia analítica etc. Esses conceitos comuns às ciências da comunicação parecem dever constituir pouco a pouco os elementos de uma forma simbólica em gestação’.

Essa mesma linha de argumentação foi utilizada por Eliseo Verón na apresentação da coleção de publicações na área de comunicação sob o título de ‘El mamífero parlante’ da editora Gedisa (Buenos Aires, Barcelona, México), por ele dirigida. Ao consagrar o ‘Mamífero parlante’ à difusão de teorias e investigações no campo das ciências da comunicação, Verón explica que ‘o plural ciências, frequentemente utilizado, expressa indiretamente a complexidade de tal campo. Não dizemos ciência da comunicação nem comunicologia, porque não se trata de uma disciplina, mas de um cruzamento de múltiplas problemáticas correspondentes a disciplinas tradicionalmente diferenciadas. As ciências da comunicação constituem hoje em dia um nó transdisciplinar, no campo das ciências brandas, comparável ao nó das ciências cognitivas, no território das ciências duras’. Em função disso, Verón justifica a presença na coleção de uma ótica antropológica aplicada às sociedades urbanas, de uma ótica epistemológica, semiótica, sociológica, histórica, cognitiva, política, todos esses modos pertinentes de acesso aos fenômenos da comunicação, em particular aqueles associados à emergência e funcionamento de tecnologias mediáticas.

O projeto aqui proposto insere-se em um nó transdisciplinar como foi nomeado por Verón, assim como visa à gestação da forma simbólica de que fala Sfez. Evidentemente não estaremos lidando com todas as disciplinas mencionadas por ambos, mas apenas com aquelas que contribuem mais diretamente para o encontro de respostas à questão comunicacional básica que o projeto interroga, como se verá a seguir.

 

4. CONTEXTO ESPECÍFICO DA PESQUISA

 

4.1. Histórico

 

Durante a realização da pesquisa sobre ‘As interrelações do verbal, visual e sonoro na multimídia’ os processos de recepção desse tipo de texto foram nos chamando cada vez mais a atenção. O receptor de um texto multimídia ou ‘usuário’, como costuma ser chamado, coloca em ação mecanismos, ou melhor, habilidades de leitura muito distintas daquelas que são empregadas pelo leitor de um texto impresso como o livro. Por outro lado, são habilidades também distintas daquelas empregadas pelo receptor de imagens ou espectador de cinema, televisão. Essas habilidades de leitura do texto multimídia ainda mais se acentuam no texto hipermídia, especialmente quando este migra do suporte CD-Rom para transitar nas infovias do ciberespaço. Conectando, através de movimentos e comandos de um mouse na tela, os nexos eletrônicos dessas infovias, o leitor vai unindo, de modo a-seqüencial, fragmentos de informação de naturezas diversas, criando e experimentando, na sua interação com o potencial dialógico da hipermídia, um tipo de comunicação multilinear e labiríntica. Que habilidades perceptivas e cognitivas estão por trás, conduzindo os comandos do leitor quando movimenta e clica o mouse? São impressionantes a agilidade e prontidão de respostas na interação com a máquina que esse leitor ou receptor apresenta quando esta familiarizado com esse tipo de comunicação labiríntica. Foram essa pergunta e essas impressões iniciais que motivaram a realização deste projeto de pesquisa. A partir dessa motivação, demos início a um texto preliminar sobre as diferenças entre alguns tipos de leitores, tendo em vista uma primeira caracterização, pela diferença, dos traços cognitivos sui-generis do leitor que navega através das arquiteturas líquidas do ciberespaço. Esse texto preliminar constitui-se no contexto específico deste projeto de pesquisa.

 

4.2. Contexto temático

 

Fora e além do livro, há uma multiplicidade de modalidades de leitores. Há o leitor da imagem, desenho, pintura, gravura, fotografia. Há o leitor do jornal, revistas. Há o leitor de gráficos, mapas, sistemas de notações. Há o leitor da cidade, leitor da miríade de signos, símbolos e sinais em que se converteu a cidade moderna, a floresta de signos de que já falava Baudelaire. Há o leitor espectador, do cinema, televisão e vídeo. A essa multiplicidade, mais recentemente veio se somar o leitor das imagens evanescentes da computação gráfica, o leitor da escritura que, do papel, saltou para a superfície das telas eletrônicas. Na mesma linha de continuidade, mas em nível de complexidade ainda maior, hoje, esse leitor das telas eletrônicas está transitando pelas infovias das redes, um novo tipo de leitor, imersivo, que navega nas arquiteturas líquidas da hipermídia no ciberespaço.

Tendo em vista muito mais a análise e não simplesmente a descrição das características dessa diversidade de leitores, o ponto de partida da análise deve ser conduzido em direção a um esforço de generalização, um esforço classificatório. Ora, para assumir um ponto de vista classificatório, isto é, um ponto de vista que busca agrupar as aparentes diferenças entre os fenômenos nos traços comuns por eles apresentados, é preciso haver um critério orientado pelas finalidades que a análise visa atingir. No nosso caso, estamos interessados em revelar as características perceptivo-cognitivas dessa diversidade de leitores. Tendo por base esse critério, somos levados a perceber que por trás da multiplicidade aparente desses leitores, surgem três tipos ou modelos. Trata-se aí, portanto, de uma tipologia que não tomou por base a diferenciação dos processos de leitura em função das distinções entre classes de linguagens ou signos ou classes de mensagens que estão sendo lidas, nem tomou por base as espécies de suportes, canais que veiculam as mensagens. Tomou por base, isto sim, os tipos de habilidades sensoriais, perceptivas e cognitivas que estão envolvidas nos processos e no ato de ler, de modo a configurar modelos cognitivos de leitor. Disso resultaram três tipos de leitores como se segue:

 

4.2.1. O primeiro é o leitor contemplativo, meditativo da era pré-industrial, o leitor da era do livro e da imagem expositiva. Esse tipo de leitor nasce no Renascimento e perdura hegemonicamente até meados do século XIX. 4.2.2. O segundo é o leitor do mundo em movimento, dinâmico, mundo híbrido, de misturas sígnicas, um leitor filho da revolução industrial e do aparecimento dos grandes centros urbanos, o homem na multidão. Esse leitor, que nasce com a explosão do jornal e com o universo reprodutivo da fotografia e cinema, atravessa não só a era industrial, mas mantém suas características básicas quando se dá o advento da revolução eletrônica, era do apogeu da televisão. 4.2.3. O terceiro tipo de leitor é aquele que começa a emergir nos novos espaços incorpóreos da virtualidade. Vejamos cada um desses tipos em mais detalhes.

Antes disso, no entanto, vale dizer que, embora haja uma sequencialidade histórica no aparecimento de cada um desses tipos de leitores, isso não significa que um exclui o outro, que o aparecimento de um tipo de leitor leva ao desaparecimento do tipo anterior. Ao contrário, não parece haver nada mais cumulativo do que as conquistas da cultura humana. O que existe, assim, é uma convivência e reciprocidade entre os três tipos de leitores acima, embora cada tipo continue, de fato, sendo irredutível ao outro, exigindo inclusive habilidades perceptivas, sensório motoras e cognitivas distintas.

 

4.2.1. O leitor contemplativo, meditativo

Esse primeiro tipo de leitor tem diante de si objetos e signos duráveis, imóveis, localizáveis, manuseáveis: livros, pinturas, gravuras, mapas, partituras. É o mundo do papel e da tela. O livro na estante, a imagem exposta, à altura das mãos e do olhar. Esse leitor não sofre, não é acossado pelas urgências do tempo. Um leitor que contempla e medita. Entre os sentidos, a visão reina soberana, complementada pelo sentido interior da imaginação. Uma vez que estão localizados no espaço e duram no tempo, esses signos podem ser continua e repetidamente revisitados. Um mesmo livro pode ser consultado quantas vezes se queira, um mesmo quadro pode ser visto tanto quanto possível. Sendo objetos imóveis, é o leitor que os procura, escolhe-os e delibera sobre o tempo que o desejo lhe faz dispensar a eles. Embora a leitura da escrita de um livro seja, de fato, sequencial, a solidez do objeto livro permite idas e vindas, retornos, re-significações. Um livro, um quadro exigem do leitor a lentidão de uma dedicação em que o tempo não conta.

 

4.2.2. O leitor movente, fragmentado

Este leitor nasce com o advento do jornal e das multidões nos centros urbanos habitados de signos. É o leitor apressado de linguagens efêmeras, híbridas, misturadas. Mistura que está no cerne do jornal, primeiro grande rival do livro. A impressão mecânica aliada ao telégrafo e à fotografia gerou esse ser híbrido, o jornal, testemunha do cotidiano, fadado a durar o tempo exato daquilo que noticia. Nasce assim com o jornal um tipo novo de leitor, o leitor fugaz, novidadeiro, de memória curta, mas ágil. Um leitor que precisa esquecer, pelo excesso de estímulos, e na falta do tempo de retê-los. Um leitor de fragmentos, leitor de tiras de jornal e fatias de realidade.

Com a sofisticação dos meios de reprodução, tanto na escrita quanto na imagem, com a reprodução fotográfica, a cidade começa a se povoar de signos, numa profusão de sinais e mensagens. As palavras, as imagens crescem, agigantam-se e tomam conta do ambiente urbano. Sinais para serem vistos e decodificados na velocidade. Como orientar-se, como sobreviver na grande cidade sem as setas, os diagramas, os sinais, a avaliação imediata da velocidade do burburinho urbano. O leitor do livro, leitor sem urgências, é substituído pelo leitor movente. Leitor de formas, volumes, massas, interações de forças, movimentos, leitor de direções , traços, cores, leitor de luzes que se acendem e se apagam.

Há uma isomorfia entre o modo como esse leitor se move na grande cidade, o movimento do trem e do carro e o movimento das câmeras de cinema. Velocidade que cria novas formas de sensibilidade e de pensamento, uma outra maneira de interagir com o mundo. Esbarrando a todo instante em signos, signos que vêm ao seu encontro, fora e dentro de casa, esse leitor aprende a transitar entre linguagens, passando das coisas aos signos, da imagem ao verbo, do som para a imagem com familiaridade imperceptível. Isso se acentua com o advento da televisão: imagens, ruídos, sons, falas, movimentos e ritmos na tela se confundem e se mesclam com situações vividas. Onde termina o real e onde começam os signos se nubla e mistura como se misturam os próprios signos.

 

4.2.3. O leitor imersivo, virtual

O aspecto sem dúvida mais espetacular da era digital está no poder dos dígitos para tratar toda e qualquer informação, som, imagem, texto, programas informáticos, com a mesma linguagem universal, uma espécie de esperanto das máquinas. Graças à digitalização e compressão dos dados, todo e qualquer tipo de signo pode ser recebido, estocado, tratado e difundido, via computador. Aliada à telecomunicação, a informática permite que esses dados cruzem oceanos, continentes, hemisférios, conectando numa mesma rede gigantesca de transmissão e acesso, potencialmente qualquer ser humano no globo. Tendo na multimídia sua linguagem, e na hipermídia sua estrutura, esses signos de todos os signos, estão disponíveis ao mais leve dos toques, num clique de um mouse. Nasce aí um outro tipo de leitor, revolucionariamente distinto dos anteriores. Não mais um leitor que tropeça, esbarra em signos físicos, materiais, como era o caso do leitor movente, mas um leitor que navega numa tela, programando leituras, num universo de signos evanescentes, mas eternamente disponíveis, contanto que não se perca a rota que leva a eles. Não mais um leitor que segue as seqüências de um texto, virando páginas, manuseando volumes, percorrendo com seus passos a biblioteca, mas um leitor em estado de prontidão, conectando-se entre nós e nexos, num roteiro multilinear, multi-seqüencial e labiríntico que ele próprio ajudou a construir ao interagir com os nós entre palavras, imagens, documentação , músicas, vídeo etc. Trata-se de um leitor implodido cuja subjetividade se mescla na hipersubjetividade de infinitos textos num grande caleidoscópico tridimensional onde cada novo nó e nexo pode conter uma outra grande rede numa outra dimensão.

Enfim, trata-se aí de um universo inteiramente novo que parece realizar o sonho ou alucinação borgiana da biblioteca de Babel, uma biblioteca virtual, mas que funciona como promessa eterna de se tornar real a cada clique do mouse.

5. DEFINIÇÃO DA PESQUISA E DE SEU DESENVOLVIMENTO

Embora o aprofundamento nas características cognitivas dos três tipos de leitores acima definidos não deixe de ter grande interesse, as dimensões de um tal estudo estariam muito além daquilo que é possível ser realizado em dois anos de trabalho. Em função disso, a pesquisa que aqui propomos visa se dedicar à investigação do terceiro tipo de leitor, aquele que chamamos de leitor imersivo, virtual. Por outro lado, as características do leitor da linguagem verbal escrita, do leitor do livro já estão relativamente mapeadas na vasta bibliografia existente sobre leitura. Quanto ao segundo tipo de leitor, seus traços também já foram trabalhados por Walter Benjamin. O campo que ainda permanece virgem, reclamando por estudos específicos é o do terceiro tipo de leitor. Esta pesquisa visa atender a esse apelo.

A hipótese fundamental que está norteando a elaboração deste projeto e que guiará o seu desenvolvimento é a de que a passagem de um tipo de leitor a outro envolve grandes transformações sensórias, perceptivas, cognitivas e, conseqüentemente, também transformações de sensibilidade, conforme já foi sobejamente estudado por Walter Benjamin no que diz respeito ao segundo tipo de leitor. Ficaram bastante conhecidas as características daquilo que Benjamin chamou de estética do choque como definidora da modernidade a partir de suas leituras de Baudelaire e de Edgar Allan Poe.

Assim também, com relação ao leitor imersivo, partimos da hipótese de que a navegação interativa entre nós e nexos pelo roteiros alineares do ciberespaço envolve transformações sensórias, perceptivas e cognitivas com conseqüências também para a formação de um novo tipo de sensibilidade corporal, física e mental. Essas transformações devem muito provavelmente estar baseadas em: (a) tipos especiais de ações e controles perceptivos que resultam da decodificação ágil de sinais e rotas semióticas, (b) de comportamentos e decisões cognitivas alicerçados em raciocínios abdutivos e métodos de busca e de solução de problemas. Embora todas essas funções perceptivas-cognitivas só sejam visíveis no toque do mouse, elas devem estar fundadas na polisensorialidade e sensomotricidade, no envolvimento extensivo do corpo na sua globalidade psico-sensorial, isto é, na sua capacidade sensorial sinestésica e sensomotora. Justificativa para essas hipóteses encontra-se no fato de que nas telas da hipermídia, a combinatória plurisensorial que naturalmente nosso cérebro pratica para constituir suas imagens, tornou-se possível fora do próprio cérebro, na medida em que essa combinatória é encenada na própria tela. É com ela que o leitor interage através do movimento nervoso do mouse.

Com base nessas hipóteses, o desenvolvimento da pesquisa seguirá duas rotas simultâneas e interatuantes:

 

5.1. A rota teórica

 

5.1.1. Num primeiro momento, a rota teórica visará à seleção de um campo conceitual apropriado, isto é, qual o campo epistemológico que apresenta mais proximidade com a problemática a ser investigada? Conforme será justificado no tópico 6, esta parte da pesquisa envolverá a criação de interfaces entre campos de conhecimento, no caso, principalmente as ciências cognitivas, informáticas e as ciências da comunicação.

5.1.2. Num segundo momento, os estudos teóricos visarão obter como resultado a seleção de conceitos que sejam capazes, de um lado, de iluminar a problemática proposta, de outro, que sejam conceitos operacionalizáveis, isto é, conceitos que possam ser utilizados na parte de aplicação prática da pesquisa.

 

5.2. A rota da aplicação prática

 

Na sua parte prática, que funcionará não só como testagem das conclusões teóricas, mas também como suporte para o desenvolvimento dessas conclusões, a pesquisa pretende se desenvolver em três momentos (Uma descrição mais detalhada desses momentos será exposta no tópico 9 sobre metodologia da pesquisa):

5.2.1. O da observação preliminar do comportamento, ações visualizáveis dos usuários, leitores imersivos no momento em que estão navegando pelas infovias.

5.2.3. A aplicação de questionários-entrevistas preliminares (pesquisa piloto), a dois tipos de usuários: os que têm familiaridade com o ciberespaço, e os que não têm familiaridade com esse tipo de leitura.

5.2.3. Nova aplicação de questionários-entrevistas agora criteriosos para os dois tipos de universos acima definidos, tendo em vista levantar dados para o cotejo e confronto com as conclusões teóricas.

Com base nos resultados obtidos através dessas duas rotas complementares, as hipóteses serão rediscutidas à luz desses resultados. O resultado final esperado está na realização de um modelo ou modelos cognitivos que caracterizam o perfil do leitor imersivo

 

6. POR QUE AS CIÊNCIAS COGNITIVAS?

 

Como já foi exposto, no seu contexto mais geral, esta pesquisa parte da hipótese de que o funcionamento das redes comunicacionais da teleinformática não se deixa mais entender sob um ponto de vista meramente tecnológico. Trata-se de um fenômeno complexo que apresenta analogias com redes comunicacionais biológicas, imunológicas, neuronais. Evidentemente, esta pesquisa está efetuando um recorte específico no amplo campo de investigação que está sendo aberto pelas redes hipermidiáticas. Estamos pretendendo investigar se, ao fazer uso das redes, ao navegar pelas infovias, o usuário-leitor passa por transformações perceptivas-cognitivas significativas. Se são significativas, de que tipo são elas?

Ora, existe um campo de conhecimento ainda recente, mas já amplamente desenvolvido que está voltado exatamente para as mais variadas questões colocadas pela cognição. Trata-se das ciências cognitivas que se constitui como um campo híbrido, um nó de convergência de várias disciplinas. Entre essas disciplinas estão a biologia, as ciências da computação e as ciências da informação, estas últimas, aliás, bastante preocupadas com as interfaces cognitivas e comunicativas entre homem-máquina.

Tendo tudo isso em vista, a interface da comunicação e semiótica com as ciências cognitivas parece ser a mais promissora para direcionar as possíveis respostas às questões que esta pesquisa levanta.

 

7. DISCUSSãO DAS FONTES E REFERÊNCIAS

 

7.1. Os fundamentos biocognitivos

 

7.1.1. O nascimento das ciências cognitivas

Segundo nos informa Jay L. Garfield (1987: 305-361), as raízes filosóficas das ciências cognitivas ou ciência cognitiva, como querem alguns, podem ser encontradas já no século XVII, quando os filósofos começaram a encontrar novos caminhos para resolver os problemas colocados pela natureza do pensamento e da mente. Os debates dirigiram-se para a relação entre corpo e mente, entre linguagem e pensamento, entre pensamentos ou percepções e os objetos percebidos ou pensados e para a indagação se as idéias são inatas ou adquiridas. Na época duas figuras se destacaram, Descartes e Hobbes, podendo ser hoje considerados como os pais das ciências cognitivas.

Os três princípios da teoria cartesiana da mente podem ser resumidos: (a) no seu ceticismo em relação ao poder representativo das idéias, (b) no seu solipsismo metodológico, quer dizer, a possibilidade de estudar o pensamento sem dar atenção à realidade que ele pretende representar e, por fim, © no seu dualismo entre mente e matéria, pensamento e mundo físico, isto é, o pensamento como uma entidade não física.

Para Hobbes, todo raciocínio é uma espécie de cálculo.

As idéias de Hobbes sobre a mente diferiam das de Descartes radicalmente, entretanto, uma mescla das idéias de ambos se constitui na semente do modelo mental que esteve nas bases do nascimento das ciências cognitivas: não apenas nossos estados e processos mentais devem ser pensados como formando uma espécie de sistema representativo autônomo, mas devem ser pensados, sob certos aspectos, como objetos matemáticos e as operações, que nossas mentes desempenham sobre eles quando pensamos, podem ser consideradas como computações.

Durante 300 anos, a filosofia da mente cartesiana entrou e saiu do primeiro plano e foi refinada e mesclada a outras doutrinas. ‘No final do século XIX, a filosofia deu nascimento à psicologia. A primeira psicologia, por vezes chamada de introspeccionismo, era cartesiana na sua orientação, mas logo deu origem à escola decididamente anti-cartesiana do behaviorismo’ (Garfield 1987: 308). Na primeira metade deste século, especialmente nos Estados Unidos, o behaviorismo reinou soberano, mas por volta dos anos 50, começaram a aparecer os estudos de psicologia cognitiva que colocariam em crise a hegemonia do behaviorismo. Isso levou a uma recuperação das direções filosóficas cartesianas-hobbesianas, manifestas com muita ênfase na festejada lingüística chomskiana. Simultaneamente, motivados pela mesma visão cartesiana-hobbesiana da mente como um recurso de cálculo operando sobre representações, os cientistas da computação deram início ao desenvolvimento da pesquisa em inteligência artificial. Nesse nó de convergências, a ciência cognitiva começou a ser gestada.

As falhas, principalmente as lacunas, do behaviorismo motivaram a adoção do ponto de vista cognitivo. As dificuldades encontradas pelo behaviorismo deixavam claro que, para entender as habilidades cognitivas, é necessário olhar dentro do organismo, prestar atenção não só aos estímulos que vêm de fora e às respostas que são dadas a eles, mas também aos processos internos que servem de mediação entre a percepção e a ação. Mas o que estava faltando para isso, até recentemente, quando a ciência computacional se desenvolveu, era um modelo apropriado para se estudar os processamentos internos que dão suporte ao comportamento.

 

7.1.2. O modelo computacional da mente

Os primeiros cognitivistas acreditavam que o modelo necessário para a compreensão dos processos internos, os processos mentais, poderia ser encontrado no processamento do computador digital. Se a mente é um dispositivo computacional do mesmo tipo de uma máquina Turing universal, então a teoria da computabilidade definiria as fronteiras do pensamento, porque todo pensamento seria computacional. Tem-se aí uma concepção unificada da mente (Fetzer 1991: 21).

De fato, as ciências da computação buscaram mostrar aos cognitivistas que, ao usar a idéia de um sistema processador de informação e o modelo computacional de explicação, era possível explicar o comportamento inteligente de qualquer sistema complexo sem pressupor o tipo físico ou biológico da inteligência de seus componentes.

O que é um sistema processador de informação? Essa pergunta atinge o núcleo da estrutura da ciência cognitiva, pois, mais do que qualquer outra coisa, a visão de que a mente é um sistema processador de informação é o que, durante algum tempo, caracterizou e unificou o campo.

Para as ciências da informação, muitas vezes, o sistema processador de informação pode ser concebido no seu aspecto puramente formal, algorítmico. Um sistema formal consiste de qualquer coleção de elementos arbitrários e regras para sua manipulação, na medida em que as operações sobre os elementos depende exclusivamente de suas propriedades formais. Uma vez que os algoritmos podem ser processados sem qualquer conhecimento sobre seus significados, eles podem ser processados por máquinas. E as máquinas podem ser poderosas no sentido de que elas podem processar com sucesso uma margem infinita de informação. Nisso consiste a fundação intelectual dos computadores e programação computacional.

Para as ciências cognitivas também é importante, sob certos aspectos, a consideração puramente formal das regras de processamento de informação de um sistema. Entretanto, esse método formal divorcia os dados de seus significados. A maior diferença entre as ciências da informação, em sentido estrito, e as ciências cognitivas, nesse aspecto, está no fato de que estas devem ter alguma teoria do significado. Afinal de contas, os processos de informação devem ser significativos para serem usados. As ciências cognitivas tratam os dados de um sistema de processamento de informação como símbolos e seus significados são tratados como representações (Stillings 1987: 2).

Portanto, é sobre as representações que o sistema opera seus processamentos. As representações podem ser analógicas ou digitais. Quaisquer que sejam, o sistema é sempre intencional. Como se pode ver, ‘intencionalidade’ é um termo filosófico para expressar o poder de referencialidade de um sistema. Na medida em que a informação contida e processada por um sistema processador de informação é sobre alguma coisa --- ou melhor, na medida em que ela funciona representativamente --- os estados e processos daquele sistema são intencionais.

O que torna um sistema representativo e por que ele representa isto ou aquilo são questões muito debatidas nas ciências cognitivas. De todo modo, é preciso haver, pelo menos, um isomorfismo (semelhança de estrutura) entre os componentes representativos do sistema e os conteúdos dessas representações e processos. Idealmente, deve haver alguma espécie de mapeamento que preserve a estrutura entre os componentes do sistema capaz de representar e as coisas no mundo ou fora dele que são representadas.

Esse modelo explicativo demonstrou, assim, a possibilidade de se analisar o significado em termos de estados funcionalmente interpretáveis de sistemas físicos . A isso Newell e Simon (1976) chamaram de sistema físico de símbolos. Já em 1972, Newell e Simon haviam desenvolvido essa noção para compreender como as pessoas resolvem problemas, uma vez que elas próprias são sistemas que manipulam símbolos. Mais tarde, em 1980, Newell reafirmou os fundamentos dos sistemas simbólicos físicos de modo mais sistemático. Tendo emergido da experiência que Newell tinha da programação computacional para desempenhar tarefas intelectuais e perceptivas, o conceito foi assim definido: um sistema simbólico físico é ‘uma classe muito grande de sistemas capazes de produzir e manipular símbolos, sendo realizáveis dentro de nosso universo físico’. A hipótese é a de que esses símbolos, que são internos ao conceito de sistema, são, ‘de fato, os mesmos símbolos que nós, seres humanos, produzimos e usamos todos os dias em nossas vidas’, o que significa que ‘os humanos são exemplos de sistemas simbólicos físicos, e, em virtude disso, a mente se insere no universo físico’ (Newell 1980: 136).

Assim sendo, o pensamento é visto como um sistema físico de símbolos, um tipo especial de máquina Turing que pode manipular símbolos. O símbolos são padrões físicos que podem ocorrer como elementos de um outro tipo de entidade que Newell e Simon chamam de expressão (ou uma estrutura de símbolos), que é composta de um número de exemplares de símbolos que estão relacionados de algum modo físico, tal como um símbolo depois do outro. Os símbolos são como as letras de um alfabeto e as expressões como palavras e sentenças (Fetzer 1991: 38)..

Depois de descrever o funcionamento de um sistema simbólico físico exemplar, e depois de definir sua natureza essencial, Newell (1980: 172-173), considera o computador digital como um exemplo-chave para a realização de um sistema simbólico no nosso universo físico.

A originalidade da tese de Newell, conforme foi apontada por Meunier (1989: 46), está no fato de que ela contrasta com ‘uma concepção puramente materialista e reducionista da inteligência artificial, uma vez que ‘aquilo que caracteriza as operações de um computador manifestando um comportamento inteligente não são as operações numéricas, não importa quão complexas elas possam ser, nem mesmo, num grau mais alto, operações que realizam operações mecânicas e mesmo eletrônicas sofisticadas. Ao contrário, um computador inteligente é aquele que processa um tipo especial de signo --- quer dizer, signos simbólicos. Assim, uma inteligência artificial é uma máquina cujo comportamento racional consiste em manipular símbolos físicos’. Meunier enfatiza a radicalidade da tese de Newell uma vez que ela não situa mais a inteligência artificial ‘dentro de uma teoria relacionada apenas com a materialidade da tecnologia e engenharia. Ao contrário, ele a insere dentro de uma teoria semiótica’ (ibid.: 46, ver Santaella 1996: 215-216).

Em síntese, portanto, a essência de um sistema processador de informação, um sistema físico de símbolos, está no fato de que ele codifica informação sobre o mundo, opera sobre essa informação de algum modo que pode ser caracterizado como significativo e está estruturado como um conjunto de partes interaturantes, funcionalmente organizadas. Sendo assim, o computador digital é um exemplo perfeito dessas idéias na medida em que fornece evidência de que o desempenho inteligente pode ser o produto de um sistema físico processador de informação.

Esse pode ser considerado o modelo padrão da mente construído pelas ciências cognitivas: um sistema de representações e de manipuladores das representações que são funcionalmente decompostos e cujas funções e componentes estão caracterizados intencionalmente (Garfield 1987: 313-320).

Cumpre notar que uma tal concepção computacional da mentalidade inclui também uma concepção computacional da linguagem, pois ela une as idéias de uma máquina Turing, a de um sistema formal automático e a de um sistema físico de símbolos com a noção de que o entendimento de uma língua natural envolve a habilidade de manipular sistemas de símbolos e que um teste de

Turing pode fornecer um teste da existência de coisas pensáveis. Tudo isso vem junto num mesmo pacote atraente. Há assim dois sentidos para sistemas de símbolos: (a) símbolo como padrões físicos que podem ocorrer como elementos de estruturas simbólicas quando eles estão relacionados de algum modo físico; (b) um sistema que tem a capacidade de manipular um sistema de símbolos. No primeiro sentido, sistemas de símbolos são como as linguagens e, no segundo sentido, eles são como os usuários da linguagem (Fetzer 1991: 40-41).

Neste catálogo das idéias que nortearam o desenvolvimento das ciências cognitivas à luz do modelo computacional, um item final está na relação entre mente e corpo, implícita nesse modelo, que não é nem objetavelmente dualista (como numa teoria cartesiana ingênua da mente), nem é objetavelmente reducionista (como numa teoria behaviorista ingênua da mente). Sem incorrer nesses dois extremos, a teoria professada por esse modelo é a funcionalista cuja idéia é a de que ‘os estados mentais, tais como crenças e processos mentais, tais como considerar e decidir, não são senão estados físicos descritos funcionalmente. O mesmo estado físico em sistemas diferentemente organizados pode levar a estados mentais diferentes; o mesmo estado mental pode ser realizado diferentemente em sistemas físicos diferentes’. O funcionalismo, como tendência dominante nas ciências cognitivas, está baseado na idéia de que a essência da natureza psicológica do estado ou processo mental não está na sua realização física particular, mas sim no seu papel computacional no sistema processador de informação (Garfield 1987: 313-323).

 

7.1.3. Os pressupostos ontológicos e epistemológicos do modelo computacional da mente.

Considerando o modelo computacional de mente como um paradigma dominante nas ciências cognitivas, Brier (1996: 283-284) levantou criticamente os pressupostos ontológicos e epistemológicos desse paradigma, como se segue:

7.1.3.1. Sistemas informacionais diferentes (o sistema nervoso central, seres humanos, máquinas, animais e organizações) processam informações do mesmo modo.

7.1.3.2. Pensamentos lógicos conscientes são geralmente tomados como um modelo para os processos cognitivos.

7.1.3.3. O entendimento é visto como categorial.

7.1.3.4. Considera-se que os processos cognitivos podem ser quebrados como partes de um processo e que finalmente podem ser vistos como uma série de escolha linear.

7.1.3.5. A percepção é vista primariamente como categorial e denotativa.

7.1.3.6. A aprendizagem é vista como acontecendo de acordo com regras e princípios e é vista primariamente como a construção de estruturas do conhecimento.

7.1.3.7. Um sistema de linguagem é visto primariamente como um mecanismo formal para a transferência de informação pela manipulação de símbolos entre humanos, máquinas e o homem-máquina.

7.1.3.8. Há uma clara tendência em se ver o sujeito cognitivo como análogo a um computador.

7.1.3.9. A ênfase no aspecto sintático e estrutural da cognição, pensamento e comunicação conduz a uma falta de ênfase na função das dimensões histórica e cultural-societal implícita no crescimento do significado comunicativo humano.

7.1.3.10. O mecanismo por trás da memória, do crescimento do significado e do entendimento de símbolos é visto como uma ‘rede semântica’. O significado é visto como mantido numa rede de concepções mutuamente definidas: a chamada estrutura de conhecimento. Isto representa uma entrada muito formal para a semântica.

De fato, as críticas realizadas por Brier são bastante pertinentes na medida em que flagram os reducionismos em que o modelo computacional da mente incorre. Entretanto, as ciências cognitivas, de modo algum, se limitam a esse modelo. O campo conceitual das ciências cognitivas está minado de controvérsias e posições antagônicas ao modelo computacional da mente. Por outro lado, o próprio modelo computacional veio se transformando na medida mesma em que as ciências da computação e da informação, juntamente com as pesquisas em inteligência artificial foram se desenvolvendo. Assim sendo, antes de entrarmos no fogo cruzado das controvérsias, para visualizar o território, valeria a pena mapear o conjunto de ciências que compõem as ciências cognitivas.

 

7.1.4. O nó transdisciplinar das ciências cognitivas

Uma vez que a palavra cognição se refere a perceber e conhecer, basicamente, os cognitivistas vêem a mente como um sistema que recebe, arquiva, recupera, tranforma, transmite e comunica informação. Eles estão interessados nos aspectos universais dos processos de informação, buscando descobrir princípios fundamentais altamente gerais e explanatórios do processamento de informação. Enfim, que espécie de capacidades gerais de processamento informacional a mente deve ter para ser capaz de fazer todas as coisas que ela faz? Foi devido a esse alto grau de generalidade nas indagações dos cognitivistas que a visão da mente como um sistema processador de informação se tornou dominante. Isso explica também porque as ciências da computação e a pesquisa em inteligência artificial se tornaram tão importantes na composição das ciências cognitivas. A ciências da computação estudam vários tipos de problemas e usam o computador para resolvê-los, sem se preocupar com os meios pelos quais nós humanos podemos, de nossa parte, resolvê-los. Não poderia haver ciência da computação se não houvesse máquinas como o computador, pois elas são indispensáveis para a sua existência. A inteligência artificial é um ramo especial das ciências computacionais, visto que investiga em que medida os poderes mentais dos seres humanos podem ser capturados por meio das máquinas. Disso se pode concluir que poderia haver ciências cognitivas sem inteligência artificial, mas não poderia haver inteligência artificial sem as ciências cognitivas, uma vez que estas têm por função estudar a natureza da cognição nos seres humanos, outros animais e nas máquinas inanimadas. Embora os computadores sejam essenciais às ciências cognitivas, eles não são essenciais ao seu ser, pois as ciências cognitivas poderiam continuar existindo mesmo se o computador não existisse (Fetzer 1991: xvi).

A inteligência artificial compartilha com a filosofia, especialmente com a epistemologia e filosofia da mente, o estatuto da investigação mais abstrata dos princípios da psicologia, mas ela compartilha com a psicologia, diferentemente da filosofia, uma tática típica no modo de responder as perguntas. Assim sendo, a inteligência artificial é a investigação mais abstrata sobre a possibilidade da inteligência e do conhecimento. As tentativas dos pesquisadores em inteligência artificial de programar sistemas que podem entender a linguagem humana, ver e resolver problemas, conduziu a novas hipéteses testáveis sobre a cognição humana. Desse modo, a inteligência artificial funciona como uma alternativa metodológica poderosa para explorar e testar teorias da cognição que suplementam os métodos empíricos da psicologia e lingüística. A inteligência artificial está rapidamente se conduzindo rumo a aplicações nos sistemas especialistas e na robótica (Stillings 1987: 9).

Fundamental para a composição conceitual das ciências cognitivas é, sem dúvida, a filosofia, principalmente no que diz respeito à lógica, ao significado e ao esclarecimento dos conceitos básicos das ciências cognitivas, tais como informação e conhecimento.

A outra ciência que compõe o campo multidisciplinar das ciências cogntivas é a lingüística na medida em que esta se volta para a estrutura da linguagem humana e para a natureza da aquisição da linguagem. Tendo nascido nas inclinações cognitivistas da lingüística chomskiana, hoje a lingüística do cognitivismo evoluiu para a caracterização da forma pela qual os seres humanos representam o conhecimento e processam a informação, descobrindo as características gerais das línguas humanas que refletem aspectos da arquitetura da mente.

A noção de uma gramática mental, arquivada no cérebro do usuário de uma linguagem é o constructo teórico da lingüística moderna. Bastante notoriedade, sob esse aspecto, receberam as teorias cognitivas de J. A. Fodor, especialmente sua hipótese sobre a linguagem do pensamento, isto é, a hipótese de que os processos mentais envolvem um meio de representação mental, um meio que tem todos os traços centrais da linguagem. Os pensamentos se parecem com sentenças. Quando pensamos usamos uma espécie de linguagem interior, chamada de mentalese, organizada em palavras e sentenças. Tendo como arcabouço geral uma teoria representacional (a cognição como processamento de representações mentais) e modular (os mecanismos cognitivos estão divididos em módulos) da mente, Fodor fundou uma verdadeira escola com muitos seguidores (ver Sterelny 1991).

A psicologia cognitiva, do desenvolvimento e psicologia evolucionista são centrais nas ciências cognitivas. A preocupação fundamental da psicologia no cognitivismo está voltada para a noção de arquitetura cognitiva, para as capacidades mentais humanas em geral, tais como representações mentais proposicionais ou esquemáticas, imagens mentais, processos automáticos ou controlados e aquisição de habilidades. Tópicos da psicologia cognitiva são, por exemplo, conceitos e categorias, a percepção, a atenção, a memória, o racioncínio, a solução de problemas, o desenvolvimento cognitivo e, certamente, o complexo funcionamento da inteligência humana aplicado a campos empíricos.

No extremo oposto do modelo da mente em analogia com o computador como um sistema processador de informações, estão as neurociências também compondo o nó transdisciplinar das ciências cognitivas e trazendo munição às controvérsias sobre a natureza da mente. As neurociências estudam a realização física dos processos de informação nos sistemas nervosos humanos e dos animais. As neurociências são, elas mesmas, um nó de disciplinas, tais como a neurofisiologia que estuda as funções do sistema nervoso, a neuroanatomia que estuda a estrutura do sistema nervoso e a neuropsicologia que estuda a relação entre o funcionamento neural e o psicológico.

Essas são as ciências básicas que compõem o tecido híbrido das ciências cognitivas. Entretanto, mais híbrido ainda está se tornando esse tecido face aos desenvolvimentos recentes da informática em conjugação com as telecomunicações e face aos novos papéis que a ciência da informação e as ciências da comunicação estão destinadas a desempenhar nesses desenvolvimentos.

 

7.1.5. Informação, cognição e comunicação

A ciência da informação tem por função encontrar as regras mais apropriadas para o design de sistemas e dos procedimentos para coletar, organizar , classificar, indexicar, recuperar e mediar os materiais que dão suporte aos dados, conhecimento, significado e experiência. Entretanto, nas últimas três décadas, tem havido um desenvolvimento extremamente rápido da tecnologia para a recuperação da informação. Desde o desenvolvimento da tecnologia computacional nos anos 60, a indústria de recuperação de informação se tornou uma indústria em larga escala na chamada sociedade da informação. Do ponto de vista social, o problema das ciências da informação, antes de tudo, está nas estratégias para a comunicação construtiva e acessível do crescimento exponencial da produção de documentos da ciência, indústria e cultura. Diante disso, vem se tornando cada vez mais importante para a ciência da informação a busca de princípios gerais que guiam a cognição e a recuperação da informação pela mente humana. Por isso mesmo, para alguns, não parece haver dúvida de que a ciência da informação se constitui como um subconjunto das ciências cognitivas (cf. Ingwersen apud Brien 1996: 282).

Como disponibilizar a enorme quantidade de documentos produzidos internacionalmente? Uma meta importante para isso está na criação de interfaces inteligentes com os usuários. Neste ponto, a ciência da informação começa a se mesclar também com as ciências da comunicação e com a semiótica.

O computador e a indústria da comunicação explodiram desde a segunda guerra e estão agora entrando numa fase de síntese. Hoje, as variadas tecnologias computacionais, incluindo a tecnologia de cálculo, as telecomunicações e a linguagem e, mais recentemente, o tratamento do som e da imagem, estão começando a se fundir numa tecnologia interativa multimídia (Brier 1996: 281). É crescente, portanto, a importância que as interfaces cognitivas e processos de comunicação homem-máquina estão desempenhando na ciência da informação

É nesse tecido híbrido multidisciplinar que se insere o projeto de pesquisa que aqui propomos.

Entretanto, as principais fontes teóricas que podem servir como guias para a aplicação que visamos não são encontradas no caminho mais consensual das ciências cognitivas, na concepção computacional da mente. Se há algo mais no pensamento do que a habilidade de manipular símbolos, se há algo mais na língua do que suas propriedades formais, se há algo mais no pensamento do que proposições e imagens, há razões aí mais do que suficientes para se questionar a concepção computacional da mente. Nossa proposta, conseqüentemente, como será esclarecido no item dos objetivos, no seu aspecto de fundação teórica, é a de seguir a trilha desses questionamentos, tendo em vista uma seleção criteriosa dos conceitos cognitivos que fazem a interface com os processos comunicativos em geral e, mais especificamente, com os processos comunicativos que operam na leitura imersiva ou navegação através das arquiteturas líquidas dos hipertextos no ciberespaço (conforme caracterizamos no item 4.3). Segue-se um primeiro mapeamento dos fundamentos bio-cognitivos que estaremos pesquisando.

 

7.1.6. Mapeamento de tendências na biocognição

7.1.6.1. Mapeamento geral

Antes de tudo, trata-se de caracterizar em maior profundidade o campo que estaremos questionando, quer dizer, a teoria computacional da mente (Haugeland 1981) e especialmente um dos seus desdobramentos mais complexos que está na teoria representacional da mente (Fodor 1975, Jackendoff 1987, Stich 1994). Em contraponto, cumpre também explorar outras concepções adicionais, tais como a teoria modelar da mente (Johnson-Laird 1983, MacGinn 1989), a teoria modular da mente (Jackendoff 1992, 1994) ou a teoria causal da mente (Amstrong, em Rosenthal ed. 1991).

No campo das controvérsias, cumpre seguir os debates e estabelecer as distinções entre o cognitivismo e o coneccionismo (Von Eckart 1994), assim como seguir as controvérsias entre os funcionalistas e anti-funcionalistas, estes mais próximos dos neurocientistas nas bases bioneurológicas que encontram para sua concepção da mente e de suas habilidades (Churchland, Paul 1979, 1988, 1990, Churchland Patricia 1988, 1990, 1992, Millikan 1984). Visões mescladas entre o funcionalismo e não funcionalismo podem também ser encontradas na concepção mecanística da mente (Nelson 1989), no fisicalismo (Sterelny 1991) ou na concepção do cérebro modular.(Restak 1994).

 

7.1.6.2. Mapeamento específico

Embora o mapeamento conceitual acima esboçado seja fundamental, muito mais pertinente ao projeto que propomos é o estudo dos conceitos que estão de modo mais específico ligados à problemática da pesquisa. Um mapeamento preliminar desses conceitos específicos nos apresenta o seguinte:

 

7.1.6.2.1. A questão da representação.

O conceito de representação, tal como foi trabalhado por Von Eckart (1994), desempenha um papel preponderante nas ciências cognitivas. Pretende-se retomar o tratamento semiótico que Von Eckart deu ao conceito discutindo algumas de suas fragilidades.

 

7.1.6.2.2. O papel do sensório e da sensibilidade na cognição

A questão do sensível será trabalhada à luz do conceito de quale que se refere ao caráter daquilo que é sentido ou experienciado nos estados mentais. Trata-se de um conceito hoje bastante discutido nas ciências cognitivas, especialmente na robótica.

 

7.1.6.2.3. O papel da descoberta na cognição

A intuição e descoberta serão trabalhadas à luz do problema das molduras cognitivas, constrangimentos que emolduram a mente, à luz do conceito de comportamento cognitivo, dos métodos de busca

e principalmente à luz do conceito de abdução de C. S. Peirce ou método da descoberta, hoje muito difundido nas ciências cognitivas.

 

7.1.6.2.4. A questão da percepção

Ações perceptivas, controle perceptivo, tomada de decisões, as relações da percepção com a memória de longa duração e com a memória operativa, o papel da percepção na resolução de problemas são todas elas questões que estão sendo amplamente debatidas na ciências cognitivas e que tocam muito de perto o problema que este projeto visa pesquisar.

Em síntese, conforme será mencionado nos objetivos, esse mapeamento teórico deverá preencher duas finalidades: de um lado, evidenciar as interfaces da cognição com a comunicação em nível puramente teórico, de outro lado, dar um tratamento operacional a esses conceitos, utilizando-os na aplicação prática da pesquisa aos processos perceptivos e cognitivos que são postos em ação pelo usuário do ciberespaço.

 

7.2. As arquiteturas líquidas do ciberespaço

 

A expressão arquitetura líquida foi cunhada por Marcos Novak para se referir à modelização líquida da informação, aos dados fluidos, moventes e plásticos acessíveis ao usuário na medida em que este navega no ciberespaço (a rede das redes da teleinformática), interagindo com os nós e nexos de um roteiro hipermidiático, multilinear, multi-seqüencial, multi-sígnico (palavras, imagens, textos, documentos, sons, ruídos, músicas, vídeo) e labiríntico que o usuário, ele próprio, ajudou interativamente a construir.

Segundo nos informa Winck (1997: 3), do ponto de vista do suporte, ‘a hipermídia consiste de informação digital, isto é, dados eletromagnéticos trancodificados numericamente num espaço a n dimensões. (...) Esse suporte físico, de caráter eletrônico, inaugura um espaço de representação ontologicamente infinito’, visto que ‘sua existência só acontece em telas de luz e sons codificados, pressupondo o conceito de interação do autor com o meio e com o interlocutor. Do ponto de vista da linguagem e da comunicação, Laufer e Sanetta (1997 apud Winck 1997), esclarecem que a hipermídia se define como ‘o acesso simultâneo a determinados textos, imagens e sons, utilizando-se uma ou mais telas eletrônicas. O mesmo termo é empregado para caracterizar o modo de comunicação cooperativo que resulta da partilha de informações interativas numa mesma rede’.

Ainda segundo Winck (1997: 4), no contexto da informática, interatividade designa ‘a capacidade do software de hipermídia para reagir aos comandos do usuário. Refere-se à qualidade semiótica intrínseca às tecnologias que operacionalizam recursos de navegação (busca e atualização de informações) nas memórias das mídias digitais, conectadas no interior da internet’.

‘A tecnologia do hipertexto introduz o conceito de vínculos não lineares (interação) entre fragmentos semióticos associativos, interligados por conexões conceituais (campos), indicativas (chaves) ou por metáforas (visuais) ìcones que remetem de um percurso de leitura (janelas em forma de cascata) a outro, em qualquer ponto da informação ou para diversas mensagens, em cascatas simultâneas e interconectadas. Na hipermídia, essa lógica se amplia à dimensão audiovisual. O hipertexto exige a movimentação vertical de leitura (navegação) à medida que o usuário seleciona a informação requerida. Ao escolher um percurso, entre infinitas possibilidades, ele estabelece sua co-participação na produção das mensagens (sua própria rota cognitiva)’.

Nesta pesquisa, partimos da hipótese de que a navegação interativa no ciberespaço envolve transformações perceptivas-cognitivas por parte do usuário, esse novo tipo de leitor que estamos chamando de leitor imersivo, aquele que navega entre nós e nexos construindo roteiros não lineares, não seqüenciais. Essas transformações devem estar baseadas em: (a) tipos especiais de ações e controles perceptivos que resultam da decodificação ágil de sinais e rotas semióticas, (b) de comportamentos e decisões cognitivas alicerçados em raciocínios abdutivos e métodos de busca e de solução de problemas. Embora todas essas funções perceptivas-cognitivas só sejam visíveis no toque do mouse, elas devem estar fundadas na polisensorialidade e sensomotricidade, no envolvimento extensivo do corpo na sua globalidade psico-sensorial, isto é, na sua capacidade sensorial sinestésica e sensomotora. Justificativa para essas hipóteses encontra-se no fato de que nas telas da hipermídia, a combinatória plurisensorial que naturalmente nosso cérebro pratica para constituir suas imagens, tornou-se possível fora do próprio cérebro, na medida em que essa combinatória é encenada na própria tela. É com ela que o leitor interage através do movimento nervoso do mouse.

São essas hipóteses, como já foi mencionado no item 5, que este projeto visa colocar em discussão e, até certo ponto e numa certa medida, testar.

Para isso, o projeto depende não só de conhecimentos teóricos advindos das ciências cognitivas, mas de um conhecimento mais aprofundado dos caracteres da arquitetura hipermidiática, da condição palinódica da semiose na hipermídia que se expressa na sua estrutura reticular, nodal.

Essa parte da pesquisa será realizada pelo pesquisador Dr. Sérgio Bairon, cujo projeto sobre hipermídia, que se insere como parte deste projeto integrado, já foi enviado ao CNPq.

 

8. OBJETIVOS DA PESQUISA

 

8.1. No seu aspecto epistemológico, este projeto visa discutir as interfaces entre as ciências cognitivas, da informação e da comunicação, evidenciando a pertinência dessas interfaces para os estudos da comunicação, especialmente aqueles que estão voltados para a emergência e funcionamento de tecnologias hipermidiáticas.

 

8.2. No seu aspecto de fundação teórica, este projeto visa selecionar criteriosamente os conceitos cognitivos que fazem a interface com os processos comunicativos em geral.

 

8.3. No seu aspecto de aplicação prática, este projeto visa selecionar e aplicar os conceitos cognitivos capazes de revelar como se processam as mudanças perceptivas-cognitivas na leitura imersiva ou navegação no ciberespaço.

9. METODOLOGIA DA PESQUISA

 

9.1. Considerações gerais

Este projeto se caracteriza basicamente como uma pesquisa que utiliza um método qualitativo com ênfase nos processos interpretativos que são próprios desse tipo de pesquisa. A diferença em relação a outras pesquisas fundadas na interpretação de dados colhidos qualitativamente está no fato de que para o exercício da interpretação serão utilizadas as ferramentas da semiótica aqui concebida como uma ciência da interpretação de signos através de signos.

A semiótica é uma ciência que cria, ela mesma, o seu próprio método e o estudo dos mecanismos de raciocínio, que presidem os diferentes métodos de investigação, constitui um dos seus principais filões de aplicação. O pressuposto de toda investigação semiótica é o de que não há mecanismo de pensamento que prescinda do uso de signos. Estudar a variedade de todos os tipos de signos é também dar subsídios para o estudo das formas de pensamento e, consequentemente, para o estudo dos raciocínios e dos métodos empregados pelas ciências.

O fator que merece ser destacado na discussão do potencial metodológico da semiótica é que, sendo, antes de tudo, uma teoria da significação, da objetivação e da interpretação, ela está apta a contribuir com as ciências que utilizam métodos interpretativos. Neste caso, a complementaridade entre o método qualitativo, naquilo que ele se baseia na interpretação, e a semiótica é bastante prometedora, visto que nesta encontramos, especialmente na semiótica de C. S. Peirce, uma teoria elaborada dos tipos de interpretante (imediato, dinâmico e final, emocional, energético e lógico) que operam nos processos de interpretação. Além disso, Peirce elaborou uma teoria lógica da percepção cujo arcabouço será de grande utilidade nesta pesquisa.

Ainda também estaremos aqui propondo que a metodologia semiótica está capacitada para oferecer ferramentas necessárias para melhor compreender a natureza dos fenômenos comunicacionais nas suas interfaces com a percepção e cognição, pois só há comunicação porque há processamento de signos. Enfim, ler signos, compreender seus modos de ação, significação e interpretação é a tarefa precípua da semiótica.

 

9.2. Considerações específicas e cronograma

 

Embora o projeto tenha duas camadas nitidamente demarcadas, uma epistemológica, teórica e outra de aplicação prática, a segunda camada não necessita esperar pelos resultados da pesquisa teórica para ir se desenvolvendo. Ao contrário, partimos do pressuposto de que a experimentação prática, que nas suas fases iniciais será até mesmo meramente exploratória, pode ir se desenvolvendo e trazendo subsídios para a pesquisa teórica, na medida em que esta visa selecionar conceitos que sejam operativamente apropriados para ajudar a compreender a situação prática que foi determinada pela pesquisa. Isso nao significa inverter o primado da teoria pelo da prática. Não se trata disso, mas de fazer avançar a pesquisa nos seus dois flancos, o teórico e o aplicado, de modo que um traga subsídios para o outro. Pressupondo, portanto, a interação simultanea da prática e da teoria, o projeto se desenvolverá do seguinte modo:

 

De março a agosto de 1999

 

Parte teórica:

Estudo do estado da arte das ciências cognitivas, especificamente voltado para as principais teorias da mente (ver tópico 7.1.6.).

Parte prática:

Levantamento dos caracteres básicos da arquitetura hipermídia, tendo em vista aplicar testes preliminares em usuários do ciberespaço. Esses testes têm por função levantar dados para a elaboração de questionários-entrevistas a serem aplicados numa segunda e terceira etapas da pesquisa.

 

De setembro de 1999 a fevereiro de 2000

 

Parte teórica:

Seleção dos conceitos biocognitivos em interface com a comunicação (ver tópico 7.1.6 e suas subdivisões).

Parte prática:

Elaboração e aplicação piloto de questionários-entrevistas preliminares voltados para dois tipos de universo de usuários: 1. os usuários que têm uma profunda familiaridade com a leitura imersiva ou navegação no ciberespaço e 2. os usuários que têm pouca familiaridade com os procedimentos de navegação. Trata-se aqui de um tipo de questionário-entrevista que será aplicado em ato, quer dizer, enquanto o usuário está interagindo com a máquina, construindo seus roteiros interativos na rede. Tal procedimento se justifica porque é o modo mais eficiente de examinar os modos pelos quais as mudanças perceptivas e cognitivas vão se processando. Nesse primeiro momento, os resultados dos questionários-entrevistas devem cumprir a função de fornecer dados para o cotejo com a pesquisa teórica, quer dizer, para nortear a seleção de conceitos teóricos que sejam mais apropriados e operacionais. A elaboração do questionário piloto será antecedida de uma fase experimental, quando serão feitas observações do comportamento, ações perceptivas dos usuários quando navegam no ciberespaço.

 

De março a agosto de 2000

 

Parte teórica:

Seleção dos conceitos biocognitivos aplicáveis aos processos de navegação nas arquiteturas labirínticas do ciberespaço. Avaliação dos níveis de operacionalização dos conceitos teóricos levantados no confronto com os resultados do questionário piloto aplicado na fase anterior da pesquisa.

Parte prática:

A partir dos resultados obtidos pelo confronto dos conceitos com os resultados do questionário piloto, elaborar um questionário-entrevista criterioso para aplicação a dois universos, tais como foram descritos acima.

 

De setembro de 2000 a fevereiro de 2001

 

Avaliação dos resultados do questionário aplicado na fase anterior. Discussão das hipóteses à luz dessa avaliação. Estudo das transformações perceptivas-cognitivas que resultarem da pesquisa. Elaboração de um modelo cognitivo do leitor imersivo.

 

10. DISTRIBUIçãO DAS TAREFAS ENTRE OS MEMBROS DA EQUIPE

 

10.1 A profa. Dra. Maria Lucia Santaella Braga será responsável pela coordenação e integração entre as partes do projeto. Será diretamente responsável pela parte teórica, pelo treinamento dos pesquisadores envolvidos, pela supervisão da parte aplicada e pelo levantamento e avaliação dos resultados, prestando deles conta ao CNPq.

 

10.2. O prof. Dr. Sérgio Bairon estará pesquisando as arquiteturas e roteiros hipermídia. Esta parte da pesquisa servirá de suporte para a elaboração dos questionários-entrevistas na medida em que essa elaboração pressupõe conhecimento das características específicas desse tipo de texto, quer dizer, a elaboração do questionário deve levar em conta as possíveis dificuldades que um leitor comum enfrenta para lidar com o texto hipermídia, para que as transformações perceptivas que ocorrem possam ser verificadas.

 

10.3 O técnico de som e de informática, Milton Ferreira, será responsável por toda a parte técnica do projeto, a saber, supervisionar o treinamento dos pesquisadores, a aplicação dos questionários, enfim, garantirá toda a infraestrutura operacional do projeto.

 

10.4 Os bolsistas de aperfeiçoamento, supervisionados pela coordenadora do projeto, serão responsáveis pela leitura de parte da bibliografia, assim como pelo acompanhamento da parte prática da pesquisa, quer dizer, aplicação dos questionários para o que serão devidamente treinados.

 

6.5 Os bolsistas de iniciação científica, também supervisionados pela coordenadora do projeto, serão responsáveis pela leitura da bibliografia mais acessível, assim como auxiliarão os bolsistas na aplicação dos questionários e na compilação dos dados a serem avaliados nas várias etapas do projeto.

 

BIBLIOGRAFIA CITADA NO PROJETO

Lévy, Pierre (1998). A inteligência coletiva. Por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola.

 

Maturana, U. e Varela (1987). The tree of knowledge. The biological roots of human understanding. Boston: Shambhala.

 

Rosnay, Joël de (1997). O homem simbiótico. Perpectiva para o terceiro milênio. Rio de Janeiro: Vozes.

 

Sfez, Lucien (1994). Crítica da Comunicação. São Paulo: Loyola.

 

Winck, João Batista (1997). Narrativa audiovisual interativa: o roteiro em hipermídia. Projeto de pesquisa de doutorado em desenvolvimento sob a orientação de Lucia Santaella.